O Cu(o)mprimento da lei

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Entrando no rol do clube dos agitadores que, em vez de assobiarem para o lado, se dizem saturados com tão longa lista de “casos e casinhos”, sempre a subir, como se a observação da realidade não os pudesse, de facto, enquadrar nos casões que inquietam os portugueses que têm olhos para ver, ouvidos para ouvir e cabeça para pensar, dispenso-me de maçar os leitores com a extensão e a complexidade dos regimes legais aplicáveis, a profundidade dos regimes jurídicos enquadráveis, os Decretos-Leis justificáveis e o Estatuto específico invocado. Deixemos tais extensões legais para doutos saberes e reconhecidas competências de juristas, incluindo a natureza da cessação de funções, se por vontade expressa da atual secretária de estado do tesouro, para abraçar outros desafios, se por decisão, presumimos fundamentada, da TAP.

Supostamente, os dois ministros que tutelam a referida empresa, ainda pública, não conheciam o que nela se passa, pelo que concentraram vontades políticas no sentido de solicitar ao conselho de administração da dita empresa “informação sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções como vogal da respetiva comissão administrativa (…) incluindo o montante indemnizatório atribuído”.

O “Correio da Manhã” noticiou, na sua edição de 24 de dezembro do ano em curso, que a, então, secretária de estado recebeu uma indemnização de 500 mil euros, por sair antecipadamente do cargo de administradora da companhia aérea portuguesa, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos. Depressa, a visada declarou: “nunca aceitaria – e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei, garantindo que este princípio se aplica também aos termos da sua cessação de funções na TAP”.

Perante a evolução da “novela”, o cumprimento da lei parece enredar-se no comprimento da lei, invocada para, aparentemente, se tentar distinguir a verdade da mentira, sem prejuízo de eventual recurso ao polígrafo ou à Maya…o que já não será necessário relativamente à secretária de estado, que se demitiu na madrugada seguinte, a pedido. Soube-se, entretanto, que o valor que, ao que se diz, esta recebeu, representa uma “pechincha” para a TAP! Numa outra madrugada seguinte, Pedro Nuno Santos anunciou também a sua demissão, o que não afasta as dúvidas que pairam sobre a natureza deste caso, casinho ou casão – conforme a visão do cidadão – pelo que queremos perguntar:

  1. Os trabalhadores da TAP encontram-se com redução salarial, sacrifício exigido em nome da reestruturação da empresa, daí a greve realizada recentemente e as possíveis paralisações futuras. Pode alguém acreditar que o cumprimento da lei é proporcional à extensão/dimensão das leis invocadas pelo despacho conjunto das tutelas para esclarecer este imbróglio?
  2. O Estado, que somos todos nós, em nome de uma companhia de bandeira, fundamental para a economia portuguesa, conforme foi amplamente propalado, injetou 3,2 milhares de milhões de euros, tendo em vista a salvação da empresa. Pode o dito aprovar leis que legitimem a invocação do cumprimento da lei para justificar o pagamento de chorudas e dispensáveis indemnizações, numa empresa pública que luta pela sobrevivência? O nacionaliza-reprivatiza tornou-se, ou não, um jogo altamente lesivo para o Estado, tal como as famigeradas PPP’s rodoviárias?
  3. A eventual indemnização a pagar pela TAP à BMW, por incumprimento do contrato, suspenso por um ano, após o que, supostamente, a empresa dotará os administradores com carros topo de gama, que desta forma ficarão ainda mais onerosos, tornará a transportadora aérea nacional mais robusta, com uma invejável saúde financeira?
  4. O público exemplo do General Ramalho Eanes que dispensou subvenções na ordem do milhão de euros, acrescentando que se fosse necessário estaria disponível para receber menos salário – não para ser candidato pois, então, nem sequer poderia ser candidato a candidato – precisou do cumprimento da lei para justificar tal atitude de elevação cívica e de magnanimidade perante os seus concidadãos?
  5. O cidadão comum que enfrenta o dia-a-dia com inúmeras dificuldades, perante a referência ao cumprimento da lei que justifica a atribuição da referida indemnização, poderá questionar a ausência de uma lei que acabe com a miséria e a pobreza, que ponha termo à inflação e que assegure a todos uma vida de luxo e de ostentação?
  6. As maiorias absolutas, que resultam da realização de atos eleitorais plurais, isentos e imparciais, são também o fundamento das democracias. Porém, fica mais rica a nossa democracia com recorrentes exemplos em que é invocado o cumprimento da lei para satisfazer ganâncias pessoais, em detrimento do interesse coletivo, como se a lei fosse feita por encomenda e os encomendadores fossem membros da mesma família, incluindo a política?
  7. Na esquina da rua encontra-se à espreita o populismo, pronto para cavalgar mais uma onda, que, pelos vistos, medra consideravelmente com estes casos e casinhos. Há quem diga que foi assim que se chegou a esta maioria absoluta, pródiga em amadorísticos episódios de rasteira política que envergonham a República! Pode o país ser permanentemente fustigado por estes “vendavais de ética republicana” que, ao que parece, deixam não só o socialismo na gaveta como também o espírito crítico, génese do pensamento racional, do progresso dos povos e da própria Humanidade?

O ano termina como começou e acaba como iniciou: mais do mesmo! Não se falaria dos supostos casos e casinhos se eles não proliferassem como grama na leira! Entediante é ouvir sempre a mesma ladainha! Não há optimismo, mesmo irritante, que resista a esta profusão de indignidades que apoucam o nosso regime democrático, como se o que mais importasse fosse a quantidade dos ditos democratas e não a qualidade da democracia. Porém, outros casos e casinhos se aproximam. Uns vêm a pé, outros chegarão de avião!

Por cá, há séculos que se encontra empossado o adágio popular: “quem muito fala, pouco acerta”! Use-se a língua para reclamar mais (?) fundos do PRR para a defesa da Língua Portuguesa, quotidianamente atropelada por provinciano servilismo, prenhe de esgares, que se insinua perdidamente à “donzela estrangeira”. Com mais substrato e servidas a preceito, por entre brejeirice minhota muito própria, recomendo vivamente as concas, conquilhas e conquilhões que fazem as delícias dos comensais, num espaço de eleição, ali para as bandas de Poiares!