“Incendiolândia”: Portugal a arder ou será Portugal Ardido....
Por
José Belo
Mais um verão e mais uma vez assistimos ao nosso belo Portugal a arder…
Não fosse este um período de enorme sofrimento para pessoas, animais, território e coberto vegetal, tudo o que vimos acontecer nas nossas televisões seria um verdadeiro Playground jornalístico.
Playground jornalístico, parecendo coisa seríssima, uma romaria de Jornalistas nas orlas costeiras a entrevistar banhistas com ares de “profissionais” da coisa, perguntando se a água está fria, se o sol está quente e que tal o ventinho…
Verdadeiro serviço público, pois caso não existisse, eventualmente, ninguém saberia que era verão e que está calor… ah, e já agora, que no verão se vai à Praia!
Esta novidade das altas temperaturas no verão, apregoada à exaustão no tal Playground jornalístico, tem pelo menos duas utilidades, uma sem dúvida é desculpabilizar o Governo de Portugal pela tragédia dos incêndios recorrentes, a outra é exacerbar a doutrina sobre as “normais” alterações climáticas nas diferentes agendas do País.
Claro que, como é seu hábito, o Primeiro Ministro António Costa, que se encontra a Banhos, falando dos incêndios atirou as culpas, com aquele seu ar de “Turista Acidental” ou “Lost in Translation”, para as altas temperaturas e, com o maior desplante, também sua característica, aos Portugueses, porque são: irresponsáveis!
Será que o Sr. Primeiro Ministro atribuiria as mesmas culpas aos enormes incêndios de 2003, 2005 e 2017? Ou acrescentaria eventualmente à irresponsabilidade dos Portugueses, a inevitabilidade do nosso Ecossistema Mediterrânico?
Passados 5 anos da enorme tragédia de Pedrogão Grande, Leiria, onde morreram 66 pessoas e ficaram feridas 253, o Governo, está à vista, nada preparou ou alterou para evitar novas tragédias.
Infelizmente, já percebemos que, o Governo, igualmente nada fará, sobretudo por incompetência e inaptidão, pois quando tenta fazer algo da prevenção / segurança, os exemplos têm sido desastrosos. Super Golas antifogo, que ardem! O SIRESP excelente, afinal não funciona! Os Drones para vigilância e quiça, primeira intervenção, afinal, caiem que nem “Tordos” ou não levantam!
Quando o Governo tenta sugerir algo, pior…: “Não andem de comboio quando está calor, pois pode avariar! “Evite adoecer no verão!”, “Evite entrar em trabalho de Parto no Verão!”, “Ande mais devagar ou não saiam de casa, para evitar sinistralidade!” e por fim a pérola da Legislatura: “No Verão, não comam Bacalhau à Brás!”.
É claro que o nosso Portugal, hoje, reúne um conjunto de características que contribuem para o acontecimento destas tragédias, a primeira será sem dúvida a acentuada desertificação do interior do País, levando isso, como é óbvio, à quase inexistência de Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Caça, Pesca em rios e Barragens e ordenamento e limpeza de matas e caminhos. Bem como, a falta de políticas sérias e exequíveis de Ordenamento do Território, a não existência de um evidente Corpo de Guardas Florestais e uma “estranha” política de reflorestação com espécies não autóctones, por exemplo o Eucalipto.
Num clima Mediterrânico, o fogo faz parte do Ecossistema, erradicar os fogos não será possível, mas, limitar impactos, minorar danos e principalmente evitar mortos é possível e premente.
Bem mais importante do que indicar culpas ou culpados, é apresentar planeamento, decisões e atuar no terreno de forma estudada, sustentada, audaz e valorosa, de forma a conseguir equilibrar as características endógenas / naturais com as visíveis e esperadas alterações climáticas.
Que tal usar parte das receitas dos nossos enormes Impostos, tão generosamente incrementas nesta fase de ”circunstâncias económicas positivas em termos mundiais”, para, com seriedade, criar incentivos para o repovoamento do Interior, para ordenar a Floresta, para criar incentivos à sua exploração, fazendo com isso renascer e desenvolver atividades primárias e secundárias ligadas à Agricultura, Silvicultura, Pecuária e outras, por exemplo a tradicional extração de resinas, em vez de esbanjar esses mesmos Impostos em áreas e atividades sem retorno e que não criam o tão necessário desenvolvimento, nem riqueza para o País.
Enquanto não forem implementadas estas medidas, ou semelhantes, levando às imperiosas mudanças, vamos continuar a ver o nosso Belo Portugal a arder por todo o lado, significando isso que continuaremos a ser governados por incompetentes, em gerir desde floresta a meios terrestre e aéreos, passando pela economia, a Natalidade, a Educação e a Saúde…
09/08/2022
Capela de São João (Ponte de Lima): A “Fénix” Obra de Arte da arquitetura religiosa renascida das cinzas
Por
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial
A primitiva Capela de São João localizava-se nas cercanias do atual Largo e Fonte de São João, junto à extinta Torre de São João. O Santo casamenteiro era venerado por aquelas bandas, até um incendio consumir a primitiva Capela, poupando-lhe pouco mais do que algumas imagens. Mais tarde, com a demolição da Torre de São João, a primitiva Capela seguiu-lhe o destino. Todavia, aos 9 dias de abril de 1863, quis a vontade do Homem construir a Capela num outro local – a Capela de São João acabaria por ser construída ao fundo da Alameda, com o mesmo nome, na margem esquerda do rio Lima. A cantaria utilizada na nova Capela encontra a sua proveniência na primitiva Capela, na Torre de São João e na antiga Muralha. A atual Capela de São João foi dada por concluía em 1867, e aos 16 dias de junho desse mesmo ano o espaço foi benzido. A Capela de São João, caracterizada pela sua forma octogonal, com o seu telhado de oito águas, possui apenas um Altar, cuja talha merece a maior das atenções, pelo seu requinte e riqueza. A construção da atual Capela ficou a dever-se ao benemérito Agostinho José Taveira que, apesar de ser de Ponte da Barca, tornou-se limiano por escolha própria. O benemérito promoveu o empreendimento e acompanhou a edificação da Capela. As verbas para a sua construção foram obtidas através de peditórios, quer em Portugal, quer no estrangeiro. No século passado, João Rodrigues de Morais, ofereceu para a Capela o Cristo que hoje nela se venera, atendendo a que o primitivo ficou muito danificado pelo incendio. Na década de 40 do século XX passou-se um período em que a festa de São João não se realizou e, a Capela já de si bastante degradada, pela força das raízes das tílias ali existentes, que provocaram imensas fissuras, mais degradada se tornou. A fim de solucionar os problemas, em meados do século XX foi constituída uma Comissão com o intuito de angariar os fundos necessários, bem como os materiais para recuperar o espaço. A Comissão era composta por João Varela, João Martins, Adolfo Morais e Armindo Maravilha. Em 1953 realizaram-se as obras, tendo-se optado pela retirada das tílias e pela colocação de oliveiras em seu lugar – tal qual hoje conhecemos. Mais tarde, com o passar dos tempos, dado que aquela zona era bastante frequentada, constataram-se abusos que foram danificando o espaço, pelo que se procedeu à colocação de uma grade. Mais uma vez, as verbas para a construção da grade frontal apenas foram possíveis pela boa vontade de Antónia “petiscas” (cujo nome figura na grade); ela era proprietária de uma Casa de Pasto da vila limiana, que depressa conseguiu as verbas através dos seus clientes – os gradeamentos laterais foram colocados mais recentes.
Agostinho José Taveira
Ponte da Barca (22.06.1808)
Ponte de Lima (11.09.1888)
Carnaval - Entrudo Imbolc Celta e Catarse Colectiva
Por
José Rodrigues Lima
“O homem da noite foi quem tudo fez. O homem do dia não é mais que um escriva”.
Grety
“É preciso reintegrar a imaginação e descobrir a poesia.”
Bachelard
A festa cíclica do Carnaval está presente no meio rural e urbano. Porém, é nas comunidades tradicionais que o encontramos mais genuíno, projectando-nos na ancestralidade, na memória colectiva e no inconsciente cultural.
O Entrudo é festa da abundância: “Ruge o pote e o prato”; “Haja vinho na caneca e porco na salgadeira”; “O Entrudo é comilão, se queres saber ao certo dá-me carne, vinho e pão”. “Alegria Alegrote, que está o rabo to porco no pote”.
Ainda se houve: “No carnaval ninguém leva a mal; é o tempo da borga”. “O poder aqui não manda”.
Os festejos carnavalescos encerram rituais cósmicos, de inversão, de ostentação e fertilidade.
“In mense Februario hibernum credi expellere” que tem a seguinte tradução “no mês de Fevereiro deve-se deitar fora o Inverno”.
LEVAR MAIS LONGE O NOSSO OLHAR
“Quando queremos estudar os homem precisamos olhar á nossa volta; mas, para estudar os homem, precisamos de aprender a levar mais longe o nosso olhar. Devemos observar as diferenças, para lhes descobrir as propriedades”.
Jean Jaques Rousseau
REGENERAR O MUNDO
No dizer de Roger Caillois, a festa pretende restaurar o caos primordial, reactualizar as cosmogonias, teatralizando e mimando os gestos dos deuses e antepassados, porque o tempo mítico da desordem é um tempo criador, e necessariamente será também renovador do cosmos envelhecido. “A festa é assim celebrada no espaço-tempo do mito e assume a função de regenerar o mundo”.
As teses referentes à origem do Carnaval podem-se sintetizar em quatro: vegetalista, celta, greco-romana e medievalista.
O grande antropólogo Caro Baroja, autor do livro “El Carnaval”, verdadeira bíblia deste ciclo festivo, escreveu que “quando o homem acreditou de uma forma ou de outra que a sua vida estava submetida a formas sobrenaturais surgiu o Carnaval”. O mesmo investigador afirma que “o Carnaval merece respeito”, estudo e análise, não só como fonte de grandes criações plásticas, sendo de mencionar Brueghel e Goya, mas também musicais, recordando Schuman, Berlioz e Paganini.
FUNDO INDO-EUROPEU
Procurando estar de acordo com Luis Molet “O calendário procura, com efeito, traduzir ritmos cósmicos exprimindo a interdependência do céu, da terra e do homem.
Devia pôr em correlação todos os elementos e registos da natureza, as cores e os sons, o ao mesmo tempo, servir para predição do início das estações do ano e das datas dos plenilúnios, dos dias dos fastos e nefastos; os trabalhos agrícolas e das festas, sacrificiais ou outras”.
O carnaval é um período festivo intensamente difundido, onde quer que se tenha instalado a cultura cristã e ocidental.
É, talvez, uma daquelas festas cujos antecedentes mergulham raízes no fundo comum indo-europeu. Podemos reconhecê-la, também, em certas cerimónias da antiguidade greco-latina.
DO IMBOLC CELTA ÁS SATURNAIS
Esta festa, de periodicidade anual, esta relacionada com o sol, pelo que são necessários ajustamentos com os calendários não solares, como o calendário litúrgico da igreja cristã, ligado à Páscoa ou de outros lunares e empíricos, que de algum modo se relacionam. Parece situar-se no ano seguindo um ritmos de 40 dias.
Se quisermos referir alguns antecedentes romanos do carnaval temos de referir as antigas festas Saturnais, Lupercais, Bacanais e Matronais dos Romanos.
Mas o carnaval inspirasse num folclore mais basto, sendo de referir os cerimoniais celtas, como a festa do imbolc celta. “L. Molet”
Muitos cerimoniais e rituais encontram-se ligados ao ciclo agrário. Poem em ação duas práticas cerimoniais: a coreográfica e o processional. E duas categorias: por um lado, as cerimónias cíclicas, o carnaval-quaresma no final do inverno e a páscoa no início da primavera. Por outro lado, as cerimónias puramente agrárias. (Forquin)
DEITAR FORA O INVERNO
Mircea Eliade mencionando um texto do século VIII, afirma que as populações alemãs “in mense Februario hibernum credi expellere”, que tem a seguinte tradução: “no mês de Fevereiro deve-se deitar fora o Inverno”.
De acordo com J. Heers, o Carnaval começou por ser uma procissão como tantas outras, uma dança de primavera que, quase de certeza, recuperou antigas memórias ligadas aos cultos pagãos de outrora, dos deuses campestres e das forças da natureza. Alguns autores não hesitam em evocar, com a maior naturalidade, a tradição das Bacanais, das festas da terra, do vinho e das florestas. Sublinham-no por interpretação etimológica ao fazer derivar directamente a palavra do latim do carro em forma de navio, “currus navalis”, que ilustrava as procissões.
O Carnaval como todas as festas profanas ou religiosas, sem dúvida de inspiração muito antiga ou de impregnação cristã, apresenta numerosos espectáculos públicos, reflexos espontâneos de uma civilização, referências preciosas para o conhecimento de uma cultura.
O IMBOLC CELTA
As teses referentes à origem do Carnaval podem ser sintetizadas em quatro: vegetalista, celta, greco-romana e medievalista.
A tese celta leva-nos a registar alguns dados. Assim, E. Powell sublinha que os celtas acreditavam em poderes mágicos que envolviam todos os aspectos da vida e do ambiente. O ano celta achava-se certamente, dividido em duas estações, quente e fria, sendo os períodos de transição marcados por quatro festas: Samain, Beltaine, Lugnasad e Imbolc.
No início da estação clara, Beltaine, celebrava-se a festa do deus Lug. Era a data das grandes assembleias druídicas, em que se faziam fogueiras cerimoniais.
No primeiro de Fevereiro tinha lugar a festa de purificação do fim do inverno, o IMBOLC. Antigamente explicavam-na como sendo o começo da lactação das ovelhas. A festividade foi substituída pela festa cristã de Santa Brígida, seguida pela Festa das Candeias, como explica E. Powell, H. Hubert e F. le Roux e J. Guyonvarc’h.
O investigador C. Gaignebet, autor do livro “Le Carnaval. Essais de mytologie populaire” (1974) sustenta: “há pois motivo para perguntar porque é que um conjunto de ritos indoeuropeus, as purificações no início de Fevereiro se conservam, por ventura inseridas nas festas celtas, especialmente no Imbolc”.
Sem pretendermos fazer doutrina não será que nos rituais do carnaval, e mesmo nas comemorações do enterro do Pai Velho, não se conjugam reminiscências ancestrais dos celtas? É de referir que no Lindoso há bastantes marcas culturais dos castrejos.
Devemos referir que Mircea Eliade, mencionando um texto do século VIII, afirma que as populações alemãs “in mense Februario hibernum credi expellere”, que tem a seguinte tradução: “no mês de Fevereiro deve-se deitar fora o Inverno”.
Os povos antigos consideravam o inverno como um reino de espíritos que precisavam de ser expulsos para que o tempo mais quente voltasse. O carnaval pode ser considerados como um ritmos de passagem da escuridão para a luz; uma celebração da fertilidade.
CATARSE COLETIVA
O Carnaval é uma festa de todos, dos simples e dos pobres.
Uma boa oportunidade para os sisudos se extroverterem e para os grupos realizarem uma “catarse colectiva”, esquecendo o quotidiano que esmaga para reinar a alegria, com “rituais cósmicos, de inversão, ostentação e fertilidade”, reafirmando a identidade colectiva, conforme o antropólogo Joan Prat.
O ENTERRO DO PAI VELHO
As festividades carnavalescas no Lindoso, aldeia do concelho da Ponte da Barca, celebrizada pela sua história e respectiva barragem premiada, revestem-se de particularidades, que lhes concedem características do Carnaval da tradição portuguesa.
Os octogenários, eles e elas, são pontos de referência obrigatória, para ajuizar se tudo está a ser preparado conforme a tradição. Existe uma sabedoria estratégica que passa pela escolha dos carros de tracção animal, do gado, pelo jogo das campainhas, pelos jugos, pelos enfeites, pelas cantigas, pelos tocadores de concertina, pelo horário dos cortejos, pelo trajecto definido, pelos bailes, pelas dádivas comestíveis durante os desfiles, pelos “barredouros”, pelos disfarces, pela choradeira na queima do Pai Velho, pelo testamento onde constam as ofertas do falecido, pelas referências de índole social e pela ocultação da escultura simbólica, como autêntico “churinga” de povos australianos.
As festividades do Enterro do Pai Velho, que “apesar de não ter festeiros, sempre tem festa”, são consideradas as mais típicas da povoação, e podemos dizer, únicas no norte do país.
Trata-se de uma vivência ancestral, que contribui expressivamente para a “coesão social da aldeia”, e para revigorar a identidade colectiva de uma povoação histórica e tradicional, que mantém vivências comunitárias.
O cortejo, para além de outros elementos, é constituído por carros adornados, “simbólicos e chiadouros”, puxados pelo melhor gado da aldeia, belamente engalanado, sendo um deles o do “Pai Velho”, e o outro o “Carro das Ervas”.
O largo junto do Castelo do Lindoso, mesmo ao lado do conjunto dos espigueiros e a eira comum, é o espaço privilegiado onde se desenrolam as importantes cerimónias anuais de transição, do ciclo do Inverno, frio e estéril, para o ciclo da Primavera, mais quente e fértil, e que fazem parte do “inconsciente colectivo”.
Se pretendermos estabelecer uma rota dos cerimoniais carnavalescos, para além do Enterro do Pai Velho, teríamos que participar, também, na Dança dos Carpinteiros, na freguesia de Gandra, e nas Mecadas de Verdoejo, do concelho de Valença.
Esta trilogia constitui o Entrudo do Alto-Minho e vais merecer texto consistente pois tem merecido a nossa atenção.
A FOGUEIRA SIMBÓLICA
O grande investigador e filósofo das religiões J.Frazer, na sua notável obra “ RAMA DOURADA”, dedica um capítulo aos festivais ígneos. Afirma que em quase toda a Europa “a crença que o fogo promove o crescimento dos meses, o bem-estar dos homens e dos animais, quer estimulando-os positivamente quer evitando os perigos e as calamidades”.
Refere que os celtas tinham festivais ígneos, queimando imagens cobertas de ervas, no meio das quais os druidas encerravam vítimas.
W.Mannhart interpreta o costume de queimar as vítimas como uma cerimónia mágica com a intenção de assegurar a luz solar suficiente para as colheitas, levando-nos a concluir a importância agrária destes rituais.
È de sublinhar a grande festa “Beltaine, (fogo de Bel),no primeiro de Maio, em honra do Deus Lug, sob aparência da luz. Era a data das assembleias druidas, em que se faziam grandes fogueiras cerimoniais.
Parece-nos que a grande fogueira que no Lindoso queima o corpo empalhado do Pai Velho, os enfeites e as ervas, tem um fundo celta.
Aliás, é de acrescentar que inúmeros ritos de purificação pelo fogo, geralmente ritos de passagem, são característicos das comunidades agrárias, e simbolizam os incêndios dos campos que se adornam , depois, com um manto verde da natureza viva, de acordo com J.Chevalier.
O fogo é, acima de tudo, o motor de regeneração e simboliza a acção fecundante.
O Padre António Vieira salienta nos “Sermões” que “o maior”, o mais nobre e o mais nobre escondido tesouro do universo é o quarto elemento, o fogo.
É crença popular que o fogo e fumo têm a virtude de purificar os campos e os animais, e livrar os homens da influência dos maus espíritos.
Com as cerimónias do entrudo/carnaval sublinhamos a passagem do tempo invernal para o tempo primaveril.
Bibliografia
BAROJA, Caro – El Carnaval, Madrid, Ed Taurus, 1983
COCHO, Frederico – O Carnaval em Galicia, Vigo, Edições Xerais, 1995.
FERRO, X R. Marino – “O Entroide ou Praceres da Carne”, “ Coruna, Edições do Castro, 2000.
HEERS, Jacques – Carnaval y Fiestas de Locos, Barcelona Edições Peninsula, 1988
POIRIER, J. (Dir), História dos Costumes, Lisboa, Editorial Estampa, 1998
VEIGA DE OLIVEIRA – Festividades cíclicas em Portugal, Lisboa. Publicações Dom Quixote, 1984.
IZQUIERDO, Paulino – Los origens de el carnaval, Ourense, Sociedade Cultural Albor, 1985.
O "Falso" e a "Ficção" escrevem-se com efe
Por Júlio Roldão *
Minha mãe, que durante muitos sábados dos finais dos anos setenta princípios dos anos oitenta viajou de comboio entre Penafiel e Coimbra, minha mãe testemunhava com incredulidade a quantidade de passageiros que, naqueles tempos, confundiam a ficção com a realidade.
À época, os portugueses sentavam-se ao serão a ver telenovelas na televisão com o entusiasmo de quem descobre um entretenimento novo e vibrando com os amores e os desamores que se desenvolviam no guião de tais ficções, iniciadas entre nós com o enorme sucesso da “Gabriela”.
“Gabriela, Cravo e Canela” foi a primeira telenovela brasileira a ser exibida em Portugal. Corria o ano de 1977 e em Portugal a única estação de televisão era a RTP. Baseada no romance homónimo de Jorge Amado, esta telenovela era protagonizada pela actriz Sónia Braga e começava com um tema musical mágico – “Eu nasci assim, // eu cresci assim // e sou mesmo assim. // Vou ser sempre assim: // Gabriela, // sempre Gabriela”.
Portugal parava para ver a “Gabriela” e aprendia Português com sotaque e expressões do Brasil. A Assembleia da República condicionava os trabalhos para que os deputados e os funcionários do parlamento pudessem assistir aos episódios da telenovela. A “Gabriela”, da TV Globo, abriu, entre nós, caminho ao género televisivo das novelas.
Seguiram-se muitas outras, sempre com enredos repletos de amores e desamores, tão intensamente seguidos pelo público português que havia quem, nos comboios, confessasse ter prometido “ir a Fátima a pé” se a personagem feminina eleita pelo público casasse com o grande amor da vida dela.
Era esta confusão entre realidade e ficção que surpreendia a minha mãe, atenta às conversas dos passageiros que seguiam nos comboios em que ela viajava para ir, aos sábados, de Penafiel a Coimbra, visitar o seu filho único. A quem, incrédula, contava o que testemunhava na viagem.
No século passado, nos finais dos anos setenta, princípios dos anos oitenta, a iliteracia, terreno propício à desinformação, era grande flagelo. Ainda não sofria os efeitos de uma desinformação organizada como a que agora designamos pela expressão inglesa “fake news” (falsas notícias) mas era já uma realidade que devia ser combatida com a Educação, com a formação inicial e com formação continua.
*Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.
Geologia antes da escrita
António M. Galopim de Carvalho (Geólogo)
Ao alimentarem-se de frutos, raízes e animais que, de início, colectavam e, mais tarde, cultivavam ou apascentavam, os nossos antepassados pré-históricos interagiram de muito perto com a biodiversidade dos ambientes que foram ocupando. Interagiram igualmente com a geodiversidade entendida como o conjunto de todas as ocorrências de natureza geológica, com destaque para rochas, minerais e fósseis, cavernas e grutas, montanhas e vulcões, bem como dos ambientes naturais (mares, lagos e pântanos, rios, geleiras e dunas) e processos que lhe dão origem. Alastrando a todas as latitudes, longitudes e altitudes, a superfície do planeta foi-se abrindo à sua observação e, neste domínio, ainda que de forma muito embrionária, podemos aceitar que se iniciaram na geologia.
Estabeleceram relações de causa-efeito entre os objectos e os mecanismos que lhes foram dado observar, no mundo físico que foi o seu. Experimentaram o que puderam experimentar, deduziram, inferiram e transmitiram, aos descendentes, os conhecimentos que foram acumulando, servindo-se para tal das linguagens de que dispunham, nomeadamente o gesto e, mais tarde e progressivamente, a fala.
Presenciaram a chuva e os seus efeitos como poderoso agente de erosão, desde a simples e inofensiva escorrência às grandes enxurradas, e aluimentos de terras. Assistiram a catastróficas cheias próprias das planícies aluviais dos grandes rios e suportaram secas intermináveis. Andaram sobre as dunas e relacionaram-nas com o vento. Enfrentaram frios imensos e subiram e desceram montanhas, num acumular de experiências que lhes permitiram sobreviver. Procuraram grutas e abrigos para se protegerem das intempéries e das feras e conheceram os pigmentos minerais com que pintaram algumas delas, numa demonstração de criatividade artística da sua condição humana.
Viram a lava incandescente a fluir e transformar-se em rocha e deixaram as suas pegadas sobre as cinzas vulcânicas. Sentiram a terra tremer debaixo dos pés e ouviram o som cavo e assustador dos sismos. Conheceram o sílex e a sua característica fractura conchoidal, aprenderam a encontrá-lo nas suas jazidas e tiraram partido desses conhecimentos para produzir utensílios e armas. Verificaram idênticas características no quartzo macrocristalino (em especial, o hialino e o defumado) e nos vidros vulcânicos (obsidiana, taquilito e outros) e deram-lhes a mesma utilização.
Conheceram a argila, a sua plasticidade quando misturada com a água e o seu endurecimento pelo fogo. Usaram o betume (asfalto) como combustível e, talvez, como fonte de iluminação, e prospectaram o ouro, a prata, os minerais de cobre e os de estanho, milhares de anos antes de a ciência lhes ter prestado atenção e lhes ter dado nomes. Aprenderam a explorá-los e ensaiaram as metalurgias, primeiro, a do bronze, há mais de 5000 anos e, cerca de mil anos depois, a do ferro.
Fizeram tudo isto e muito mais antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.
Quão difícil é ser jornalista
Por Júlio Roldão *
Não é fácil ser jornalista. Para perceber a dimensão desta dificuldade basta ler e ouvir o que os jornalistas já divulgaram sobre o caso do jovem estudante universitário português que está a ser apresentado como suspeito de actividades terroristas em Portugal. Ou até ler e ouvir o que já se escreveu e disse sobre o recente jogo de futebol entre o Porto e o Sporting que degenerou em múltiplos actos de violência.
Um jovem adulto de 18 anos, a sair da adolescência, tímido e medroso nas palavras do avô paterno, recém ingressado numa Universidade em Lisboa, cidade para onde se mudou ido de uma aldeia do centro do país, é detectado pelo FBI nos corredores mais escuros da Internet e, numa semana, identificado e detido pela Polícia Judiciária portuguesa na posse de facas, dardos incendiários, materiais combustíveis, um martelo (instrumento que uma televisão incluiu no rol das armas proibidas) e um plano de ataque à Faculdade onde estuda.
Na sequência desta notícia bombástica, quase no verdadeiro sentido da palavra, soube-se que o candidato a primeiro terrorista português na categoria das chacinas indiscriminadas era viciado em vídeos de assassínios em escolas e teria sido, na adolescência, bombo de festa dos colegas, ou seja, vítima de “bullying”, um fenómeno de intimidação sistemática vexatória.
Uma notícia com este impacto social e esta complexidade de aspectos potencialmente relevantes exige que os jornalistas a abordem com distanciamento e profundidade, sem descurar qualquer dos ângulos que podem e devem ser tidos em conta, o que torna particularmente difícil o exercício desta profissão. Isto é válido também para a abordagem jornalística à violência que marcou o final do recente jogo de futebol entre o Porto e o Sporting.
Neste caso importará não esquecer os condicionamentos que marcam o regresso das multidões aos estádios de futebol, após os confinamentos pandémicos, e o facto de Portugal continuar a ser um país com uma elevada percentagem da população cuja principal e às vezes única alegria só ocorre quando o clube que apoiam ganha um jogo, um campeonato ou uma taça. Também aqui se realça a dificuldade em ser jornalista.
Em sociedades assim a desinformação cresce com mais facilidade.
*Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive. Colunista do Semanário Alto Minho.
Melhorar o abastecimento de água na região do Mediterrâneo
Universidade da Beira Interior
A Universidade da Beira Interior (UBI) participa num projeto europeu, financiado pelo Horizonte 2020, que pretende melhorar o abastecimento de água na região do Mediterrâneo. O projeto MED-WET tem a duração de três anos e é composto por um consórcio de oito entidades com origem em cinco países (Alemanha, Egipto, Malta, Marrocos e Portugal).
Do lado português, é também parceiro o Município do Fundão, que ficará corresponsável, juntamente com a UBI, pelos testes piloto experimentais das tecnologias inovadoras de irrigação, que serão realizados na Quinta do Seminário. Este projeto visa melhorar a eficiência da irrigação na região mediterrânica, num contexto marcado pelas alterações climáticas e seca extrema.
O objetivo principal deste projeto é introduzir sistemas de irrigação agrícola inovadores e eficientes, destinados a pequenos agricultores da região mediterrânica. Os escassos recursos hídricos devem ser utilizados de uma forma eficiente e ambientalmente correta, no sentido de garantir o abastecimento de água e alimentos a longo prazo. O MED-WET contribui para um combate eficaz dos impactos negativos das alterações climáticas em termos de disponibilidade de água, agricultura e segurança alimentar.
A coordenação do projeto por parte da UBI é da responsabilidade de João Leitão (docente do Departamento de Gestão e Economia e investigador do NECE – Research Center in Business Sciences). A equipa da Universidade integra ainda Dina Pereira (gestora da incubadora UBImedical), Pedro Dinis Gaspar (docente do Departamento de Engenharia Eletromecânica), Cristina Fael e Isabel Falorca (docentes do Departamento de Engenharia Civil a Arquitetura) e Vítor Moutinho (docente do Departamento de Gestão e Economia e investigador do NECE).
O projeto PRIMA/0008/2020 é financiado pelo Horizonte 2020, Cooperação Transnacional – Parceria para a Investigação e Inovação na Região Mediterrânica. O trabalho a desenvolver pelo MED-WET assume uma grande relevância, considerando que as regiões mediterrânicas enfrentam já graves carências de água. O crescimento populacional, a mudança no comportamento do consumidor e as alterações climáticas têm sérios efeitos na disponibilidade de água doce.
Grande parte da água destinada à irrigação convencional infiltra-se ou evapora, não sendo por isso utilizável. Deste modo, devem ser desenvolvidos sistemas de irrigação inovadores que proporcionem a exploração de recursos hídricos não convencionais, em grande parte não utilizados. Adicionalmente, devem ser utilizadas soluções de baixo custo, com materiais naturais e disponíveis a nível regional (Baixa Tecnologia, Baixa Energia, Baixo Orçamento, Fácil de Usar).
Carta Aberta ao Exmo. Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Professor Doutor Manuel Heitor
Carta Aberta ao Exmo. Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Professor Doutor Manuel Heitor
Excelência,
Os Médicos de Família, especialista em Medicina Geral e Familiar sentem-se chocados com as declarações de V/ Ex ao Diário de Notícias porque revelam ingratidão, incompreensão, inadequação e incorreção. O clamor foi tal que teve eco no Reino Unido com a British Medical Association indignada e, de igual modo, em associações médicas europeias como a European Union of General Practitioners e a European Federation of Salaried Doctors. Todavia, sabemos que V/ Exa, e nós, desejamos o bem comum, o melhor para Portugal, para os portugueses. V/ Exa nessa entrevista teve um momento infeliz, como por vezes acontece a qualquer ser humano, nesta nossa viajem que é a vida. Dizia Santo Agostinho “Errar é humano, continuar no erro é diabólico”.
Senhor Ministro, para nós médicos, a política é uma atividade muito importante, tal como a nossa. A política é medicina em larga escala. Um político no fundo é um médico. Evidentemente que nos referimos à política, no sentido nobre dos gregos, “a arte de governar a cidade”. De granjear o bem público. Não a politiquice que tão campeia em Portugal. A nossa atividade, e com tal a do político, exige um aperfeiçoamento, uma atualização constante. Um médico, um político, é um estudante para a vida! As suas declarações, Senhor Ministro, não estão atualizadas, aperfeiçoadas. Não estão devidamente estudadas. A matéria está colada a cuspo. Como tal, é necessário estudar devidamente.
Mas porquê este nosso sentir? Passamos a explicar.
Senhor Ministro, nós Médicos de Família trabalhamos na primeira linha de atendimento do sistema de saúde e somos essenciais para o Serviço Nacional de Saúde, como ficou bem demonstrado na pandemia que atualmente vivemos, com o evidente reconhecimento das comunidades que servimos. Os Médicos de Família em exercício nos Centros de Saúde do Serviço Nacional de Saúde fazem mais de 30 milhões de consultas por ano. Assistimos gestantes, crianças e jovens, assim como adultos e idosos, em atendimento personalizado e de proximidade com elevada acessibilidade, dirigindo a nossa atenção a pessoas saudáveis e a doentes, por vezes em situações graves e de fim de vida. As nossas atividades e resultados estão publicados e divulgados ao longo das últimas décadas, com expressão nacional e internacional. Os ganhos em saúde são evidentes e sentidos pelas pessoas. Senhor Ministro, as vossas declarações não revelam o reconhecimento e importância destes factos a importância desta especialidade médica, uma dentre 48 especialidades, as quais tem entre 4 a 6 anos de formação. A nossa tem 4 anos de formação e, muitos de nós, atendendo à complexidade e exigência dos cuidados de saúde a prestar aos nossos concidadãos, entendem que deveriam ser 5 anos. Esta formação decorre após se obter elevadas classificações no ensino secundário, um mestrado em medicina de 6 anos, seguido de 1 ano de formação geral profissionalizante e, depois de um exame nacional de acesso à especialidade, finalmente é que se “tira” a especialidade. A frequência da formação especializada é feita por médicos autónomos, com toda a responsabilidade legal do ato médico, sob orientações de especialistas. Apesar de todo este percurso de formação técnico-científica e ética, uma das características que o médico tem de ter é saber qual o seu limite. E, neste caso, encaminha o seu consulente para quem sabe. Pois como diziam os romanos “Sutor, ne ultra crepidam” (não vá o sapateiro além da alpergata). Ou Como dizia Marck Twain “Há certas coisas sobre como pegar num gato pelo rabo que só se aprende pegando no gato pelo rabo”.
Ah! Fizessem isto muitos políticos! E Portugal teria “indicadores políticos” como tem na saúde que ombreiam com o melhor que se faz no mundo.
Senhor Ministro, a formação médica vai muito para além da formação pré-graduada da sua responsabilidade política. A formação dos médicos é muito mais do que a formação das escolas médicas. Formar médicos é um processo complexo que envolve uma vastíssima equipa, unidades de saúde idóneas e uma sólida estrutura no Ministério da Saúde com décadas de experiência e provas dadas, como são as várias Coordenações do Internato Médico da Especialidade de Medicina Geral e Familiar. Cada especialidade tem o seu programa apreciado, discutido e publicado em Portaria. Os Médicos de Família cumprem um exigente programa de formação pós-graduada como qualquer outra especialidade médica.
Senhor Ministro, a formação de Médicos de Família contempla estágios obrigatórios nomeadamente, entre outros, em Pediatria, Psiquiatria, Obstetrícia/Ginecologia, Cirurgia Geral, Ortotraumatologia. Tem avaliações anuais escritas ou orais e uma avaliação final constituída por uma Prova Curricular, Prática e Teórica, perante um júri de 3 especialistas. Olhe Senhor Ministro, um exame muito parecido ao que foi submetido o Vasco Santana no filme “Canção de Lisboa” do Cottinelli Telmo, em que até sabia o que era um “mastoideu”; o músculo esternocleidomastoideu que nos permite fazer a lateroflexão da cabeça, (foi esta a pergunta ao Vasquinho) e, deste modo ver melhor o mundo que nos rodeia e, dentro de outras coisas melhor juízos fazer. Facilmente se vê que é uma formação cuidada e exigente. O que se compreende pois, como se diz popularmente “com a saúde das pessoas não se brinca”. Um político, um médico em larga escala, se não brincasse como alguns brincam, Portugal seria muito diferente, para melhor, entenda-se.
Senhor Ministro, como sabe um atleta do decatlo tem o mesmo treino, exigência e brilhantismo como um atleta do salto à vara recordista mundial. Embora seja o atleta mais completo do atletismo é o mais desconhecido. Nós somos do decatlo da medicina. Para se compreender, apreciar este atleta do decatlo é preciso ter sabedoria, melhor sageza.
Senhor Ministro, um só cheirinho, um ténue aroma, sobre organização de cuidados médicos, melhor, de saúde pública, da saúde de todos nós. Barbara Starfield, pediatra do Johns
Aumentar o número de especialistas hospitalares, um processo que continua nos EUA, está associado com maiores taxas de mortalidade e aumento dos custos. Um terço dos custos excessivos são atribuidos a procedimentos desnecessários”. Quão atrasados estamos na prática e nos conceitos!
Senhor Ministro, não temos falta de médicos em Portugal. O que temos é falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde por falta de condições de trabalho, por falta de contratações, por falta de investimento durante anos consecutivos, por mau planeamento, por péssimas opções de políticas de gestão de recursos humanos. Se houvesse na generalidade, há honrosas exceções, na política portuguesa o rigor metodológico, a disciplina, a procura aturada do diagnóstico correto, o espírito de missão que exige a atividade médica, esta situação da pretensa falta de médicos já estaria resolvida; a mofo cheiraria!
Senhor Ministro, quanto há fundamentação que justifique a criação de escolas médicas e, aumentar mais a formação de mestres em medicina para benefício da saúde dos nossos concidadãos, carece de provas científicas que o demonstrem pois, tudo aquilo que conhecemos demonstra o seu contrário. Isto, na verdadeira ação política, trabalhando na dimensão ética de Kant, referimo-nos ao imperitivo categórico, o bem em si; e não o imperativo hipotético ou interesseiro. O formar mestres em medicina custa muito dinheiro, que alguém vai ganhar e alguém terá de pagar. Há quem diga que os médicos não querem que se abram mais escolas médicas porque são corporativos. Os antigos romanos chamavam a este argumento
Hopkins Hospital que se dedicava à saúde pública, em 2005, pelos seus estudos chegou à
seguinte conclusão: “argumentum ad hominem circustantiae”, o argumento de quem não tem argumento, uma falácia, discute-se o continente não o conteúdo.
Senhor Ministro, estamos quase a terminar mas, não o queríamos fazer sem dizermos o seguinte: talvez fosse melhor em vez de escolas médicas criar escolas de formação política. Isto para que a atividade politica fosse uma verdadeira carreira profissional, com uma Ordem. Para manter em ordem a classe. Qualquer cidadão que desejasse exercer um cargo politico teria de ter uma formação, por exemplo, de 3 anos em que aprenderia, por exemplo, a constuituiçao da républica, o abc da assembleia da república, de cada ministério, das câmaras municipais e juntas de freguesias. Estudaria, por exemplo o pensamento político de Platão, Marco Aurélio, Voltaire, Maquiavel, etc., etc. Estamos em crer, Senhor Ministro, que as ações políticas em Portugal estaria no caminho do V Império pessoano, o desígnio do homem em sociedade.
Respeitosamente, Senhor Ministro, solicitamos que contribua para a resolução do problema e que evite a todo o custo atitudes populistas e inconsequentes, iludindo os jovens estudantes e suas famílias. Nós manter-nos-emos do lado da solução, na defesa de cuidados de saúde dignos que as pessoas merecem e, na promoção da melhor formação médica que nos garanta a segurança do exercício profissional e a dignidade do ato médico.
E… Senhor Ministro, continuaremos a seguir os Conselhos de Esculápio que terá vivido há 33 séculos atrás, sublinhamos alguns:
(…)
“Não contes com o agradecimento; quando o doente se cura, a cura é devida à robustez; se morre foste tu que o mataste. Enquanto está em perigo trata-te como um deus, suplica-te, promete-te; se está em convalescença, já o estorvas. Quando se trata de te pagar torna-se diferente. Quanto mais egoístas são os homens, mais cuidados exigem.”
(…)
“Mas se fores indiferente à fortuna, aos prazeres, à indiferença, à ingratidão, sabendo que te verás só entre as feras humanas, se tens uma alma bastante estoica para te satisfazer com o dever cumprido e sem ilusões; se te julgares pago com a felicidade de uma mãe, com uns lábios que sorriem mas já não sofrem, como a paz de um moribundo a quem conseguiste ocultar a chegada da morte; se anseias conhecer o homem, penetrar em todo o trágico do seu destino, então faz-te médico hoje mesmo.”
Queira V/ Ex aceitar de nós os melhores cumprimentos 18 de novembro de 2021
Os Médicos de Família
Nelson Rodrigues
(Presidente do Conselho Sub-Regional de Viana do Castelo da Ordem dos Médicos)
Rui Nogueira
(Ex- Coordenador do Internato Médico da Especialidade de Medicina Geral e Familiar da Zona Centro)
Ocaso da vida e rituais da saudade
José Rodrigues Lima
Entra viajante, ajoelha e ora
Aqui encontram consolação os vivos
Aqui terão descanso os mortos
Vai corre para a eternidade
E prepara no tempo a tua
vida de alem campa
O crentes como vós
No intimo do peito
Abrigo a mesma crença e
Guarda o mesmo ideal.
O horizonte é infinito e o
Olhar humano é estrito
Creio que Deus é eterno
E que a alma é imortal
Guerra Junqueiro
Os monumento funerários são testemunhos do culto dos antepassados no espaço dos vivos desde tempos imemoriais.
As fotografias familiares reforçam a saudade dos que partiram: “Olha aqui o bisavô ou a avô estimada”, e a conversa segue com recordações felizes.
A solidariedade que se estabelece numa comunidade, quando se anuncia o falecimento de alguém, novo ou idoso, é significativa. A mobilidade social é uma realidade aquando o velório, o funeral e as missas pelas almas dos falecidos. Aliás, as ofertas em honra dos mortos, a encomendação das almas, a celebração do “cabo d’ ano”, influência da Galiza em terras do Alto Minho, o milho para as almas, a reza anual, as procissões ao cemitério, a cerimónia do “acendimento” na igreja paroquial de Castro Laboreiro e das obradas noutras localidades, no domingo seguinte ao falecimento de alguém, são testemunhos eloquentes de que “os mortos pertencem aos vivos, conforme expressão popular.
O Padre Aníbal Rodrigues, pároco de Castro Laboreiro, registou o cerimonial do acendimento como contributo para a cultura castreja.
Algumas destas tradições foram-se perdendo numa sociedade em mudança.
Por iniciativa de Santo Odilão, abade de Cluny, França (994-1049) é que se instaurou e fixou o dia 2 de Novembro a comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. O Santo Abade ordenou que se celebrasse em todos os Mosteiros da Ordem o que aconteceu pela primeira vez em 2 de Novembro no ano de 998. E o foi a partir de lá que se difundiu muito rapidamente por toda a igreja latina.
Livro “Cicatriz”
A poetisa Teresa Rita Lopes escreveu, no seu livro “Cicatriz” que “o cemitério é lindo/na espuma de asseio/qual salinha de estar”.
O signo linguístico cemitério, conforme a origem do grego significa “dormitório”, e por derivação dos povos germânicos terá o significado de “jardim da igreja”. Á referida literata acrescenta ainda; “desde que sento à minha mesa /mais mortos do que vivos/percebo a necessidade dos antigos/de imaginar, os deuses lares/de sentir sobre nós/os gestos protetores/dos antepassados/A sua bênção.”
A consciência da morte abre as portas do simbólico da fantasia e do imaginário com apelos ao inconsciente coletivo. Fustel de Coulanges afirmou que uma família era um grupo de pessoas às quais a religião permite invocar o lar e oferecer o mesmo banquete fúnebre aos antepassados.
Testemunhos – A Lapa dos Defuntos
Desde o sitio de Cevide, em S. Gregório – Melgaço, onde se encontra um nicho das alminhas, mesmo onde o afluente Trancoso desagua o rio Minho, até ao planalto de Castro Laboreiro, onde o seu conjunto dolménico expressivo, e atravessando litoral minhoto, encontramos o dólmen da Barrosa e a mamoa da Eireira, bem como a pedra do repouso em Cardielos, constituindo testemunhos significativos do culto dos mortos.
Nas terras do Soajo são referências do culto aos antepassados o dólmen do Mezio, a Lapa dos Defuntos na Portela do Galo, e o monte da freguesia da Ermida na Serra Amarela.
No Lindoso localiza-se o penedo do descanso, ponto de paragem do cortejo fúnebre. Merece referência, ainda, “A cadeia da saudade”, utilizada na zona ribeira da cidade de Viana do Castelo.
O culto dos mortos é uma constante no Noroeste Peninsular, e tem merecido a investigação de José Mattoso, Pina Cabral, Marcial Gondar, Lison Tolosana, Mandianes de Castro, V. Risco, Taboada, Xivite, A. Fragas Fragas, Patrícia Galdey, Brian O’Neill, Margarida Durães, Gabriela Oliveira, Constantino Cabral, Clara Saraiva, Marino Ferro, Xosé Rego, entre outros.
Nas sociedades arcaicas, como refere F. Maria, os homens temiam o contágio da morte, simbolizada pela decomposição do cadáver, procurando evitá-la, ou apressá-la através de rituais e práticas funerárias que simultaneamente exprimem a angústia da morte e a aspiração à imortalidade.
Os símbolos da morte, a iconografia, as manifestações funerárias, os rituais em honra dos antepassados, fazem parte do quotidiano das populações, e apresentam uma diversidade antropológica e histórica.
Manancial abundante sobre a demografia histórica e a antropologia são os registos paroquiais, incluindo os livros das confrarias das almas, tão arreigadas no Alto Minho. Fazendo uma análise sobre a documentação referida, constatamos abundante informação e doutrinação sobre a morte. “lembra-te da morte e não pecarás”; “Lembra-te homem que és pó. E em pó hás-de tornar-te”; “a vida muda-se, não acaba”. Mesmo assim, é de referir a persistência de alguns ritos pagãos. Nos atos mais solenes dos “vivos”, e a decorrer no calendário anual. O “mortos” estão presentes.
Rituais funerários
Em todas as culturas há rituais funerários. Porque no rito dá-se um sentido à própria morte. Onde o ritual não existe ou é pobre, não há humanidade ou o Homem é vivido de modo empobrecido e raquítico. Quando nos últimos instantes de um ser humano ou no seu funeral faltam “os gestos as palavras” que procuram dar um sentido a contar para lá do visível. Quem algum dia participou num funeral em que não houve o mínimo rito – nem sequer uma palavra – experienciou q que é a morte em toda a sua espessura opaca, breu e inumanidade. A situação de incómodo e desconforto até à frustração é vivida quando, por exemplo, devido a uma catástrofe, nem sequer o cadáver do familiar ou do amigo aparece, para uma homenagem última de despedida.
O ocaso da vida… e depois? É uma expressão feliz “no ocaso da vida”. Afinal quando o sol cai no horizonte do lado de cá é noite, mas do outro lado nasce um novo dia. O que se quer sublinhar que, na morte fica sempre uma abertura para o mistério, para a nossa dimensão celeste a que virá chamar-se a “Ressurreição”
(Anselmo Borges, “Corpo e Transcendência”, 2011)
Perspetiva Antropológica
Segundo Mircea Eliade, a agricultura, como técnica profana e como forma de culto, encontra o mundo dos mortos em dois planos distintos. O primeiro é a solidariedade com a terra; os mortos como sementes, são enterrados, penetrando na dimensão clónica só a eles acessível. Por outro lado, a agricultura é, por excelência, uma técnica de fertilidade, da vida que se reproduz multiplicando-se, os mortos são particularmente atraídos por este mistério do renascimento.
Semelhantes às sementes enterradas na matriz telúrica, os mortos esperam o seu regresso à vida sob uma nova forma. É por isso que eles se aproximam dos vivos, sobretudo nos momentos em que a tensão vital das comunidades atinge o seu máximo, quer dizer, nas festas chamadas da fertilidade, quando as forças da natureza e do grupo humano são evocadas, desencadeadas e exacerbadas por ritos.
As almas dos mortos estão sedentas de plenitude biológica, de excesso orgânico, pois este transbordamento vital, compensa a pobreza da sua substância, e projeta-nos numa corrente impetuosa de virtualidades e de gérmens. M. Eliade acrescenta, ainda que o festim coletivo representa justamente esta concepção de energia vital, com todos os excessos que implica é, pois, indispensável, tanto para as festas agrícolas como para a comemoração dos mortos. Outrora, os banquetes tinham lugar perto dos próprios túmulos, para que o defunto pudesse participar do excedente vital desencadeado perto dele.
Citando alguns casos, aquele investigador refere que na Índia, o feijão era uma oferenda levada aos mortos. Na China, o leito conjugal encontrava-se no canto sombrio da casa, no sítio onde se conservavam as sementes, e por cima do lugar onde enterravam os mortos.
A ligação entre os antepassados, as colheitas e a sexualidade é tão estreita, que os cultos funerários, agrários e genéticos se interpenetram, às vexes, até à sua completa fusão. Nos povos nórdicos, o Natal (Jul) era a festa dos mortos e ao mesmo tempo, uma exaltação de fertilidade e da vida. É no Natal que se realizam banquetes copiosos, e muitas vezes, se celebram os casamentos e se cuida dos túmulos.
Os mortos regressam nesses dias para tomarem parte nos ritos de fertilidade dos vivos. Na Suécia, a mulher guardava no baú do dote um pedaço de bolo de casamento para o levar consigo para a cova. Da mesma forma, tanto nos países nórdicos como na China, as mulheres são amortalhadas nos vestidos de noivas.
Rituais na Várzea
Entre nós, e bem localizada na povoação da Várzea, aldeia do Soajo, mesmo junto da raia portuguesa e galega, ainda há pouco tempo se conservava o costume referido por Mircea Eliade, pois o vestido de noiva acompanhava a defunta para a cova. Noutras localidades, também na noite de Ceia de Natal, os lugares à mesa contam sempre com o falecido ou falecida naquele ano, colocando as famílias pratos e talheres, para os que já partiram, como se estivessem em comunhão física. Em tempos praticou-se o costume de se dormir na cozinha, sobre a palha, na noite de natal, deixando as camas desocupadas para que “os antepassados” que comparecessem, se pudessem deitar e dormir na cama, conforme refere E, Verga de Oliveira.
A mesa fica com comida, pois durante a noite, os antepassados vem associar-se à festa dos vivos. Aliás, faz parte da estrutura cultural desta zona do Ocidente, a comunhão com os antepassados sendo de sublinhar a Costa da Morte (Galiza).
Comunhão com os Antigos
Procurando estar de acordo com o investigador Carlos A. Ferreira de Almeida, os castrejos depois de incinerarem os mortos, colocavam as suas cinzas dentro ou ao lado das suas casas de habitação. Uma sociedade consanguínea que não dispensa a comunhão com os antigos.
O interesse que os mortos da família e o culto das almas têm nesta zona, nos tempos modernos, e de que uma das mais originais expressões é a dos nichos das alminhas, tem assim longínquos antecedentes.
Conforme explica Teófilo Braga no livro “O Povo Português nos seus costumes, crenças e tradições, a expressão sapatos de defunto está relacionada com o compromisso duma confraria de Coimbra (1835), que regulando o enterro dos “irmãos”, diz que os sapatos do confrade morto ficariam “para o campaneiro”. Nestas confrarias ou irmandades, o campaneiro era o que avisava para o enterro, tocando a campainha pelas ruas, competindo-lhe essa gratificação. Na Escócia este costume está materializado em superstição. O escritor Watter Scott relata nos “Cantos Populares da Escócia” uma canção, a ser executada diante da pessoa falecida, e acompanha-a com esta notícia extraída de um manuscrito; “acredita-se que é bom dar uma vez na vida um par de sapatos a um pobre, porque após a morte, o defunto é obrigado a passar descalço através da sua grande braseira, cheia de espinhos, a não ser que pelos muitos méritos da esmola indicada, se resgate dessa penitência. À margem da braseira aparece um velho e entrega os mesmos sapatos, que em vida lhe foram oferecidos. Assim, calcando-os, o benemérito poderá com eles atravessar os sítios mais ásperos. Em algumas zonas do país, ainda se conserva a expressão: “quem espera por sapatos de defunto, toda a vida anda descalço”
Relações Sociais
O antropólogo galego Martino Ferro, procedeu a uma recolha exaustiva da tradição oral, narrando as aparições dos mortos, registando o medo que produzem, e as relações entre vivos e mortos.
O referido antropólogo conclui que aquelas narrativas são uma criação cultural estimável, pois atenuam a angústia perante a morte, transmitindo normas básicas paras a convivência e reforçando as relações sociais. A criação cultural depende dum lugar e dum momento histórico.
Da Teologia à Ate Floral
No Alto Minho registamos, ainda, o canto às almas e o toque dos sinos pelas almas benditas, bem como os nichos da alminha que se encontram ao lado dos caminhos.
Os vivos fazem penitência caminhando a um santuário. Os mortos são os romeiros do além que tem de purificar-se para chegarem limpos ao “santuário”
Percorrendo os cemitérios, “jardins da saudade” podemos afirmar que são também espaços culturais onde encontramos símbolos da teologia da esperança, manifestações da arte funerária, fotografias retiradas dos álbuns familiares, poemas de carinho, testemunhando-se o sentimento e as emoções com rituais e silêncios respeitosos.
Os aromas dos círios acesos e da lamparina de azeite, os sons pesados dos sinos e os tons de arte floral criam um ambiente de grande comunhão entre os presentes e os ausentes.
Assim, constatamos que uma das marcas culturais da nossa memória coletiva, é o culto dos antepassados no espaço dos vivos.
Os nichos das alminhas necessitam de revitalização, pois são importantes no âmbito do património cultural, merecem o devido relevo pelo seu significado originalidade e testemunhos de sufrágios às benditas almas.
Através do tempo os homens de fé tradicional, tiravam o chapéu ao passar na frente desses monumentos, repletos de emoções saudosas, e muitas vezes surgia uma prece sentida.
Os Velhos têm de ser Moda!
Liliana Leiras
Velhos são os trapos, diz o Povo e com razão. O crescente envelhecimento da sociedade portuguesa e o contexto pandémico que vivemos atualmente, sugere a necessidade de reflexões profundas sobre este grupo social tão vulnerável e desprotegido, sobre a sua forma de vida e necessidades. O envelhecimento populacional, deve começar a ser encarado como um problema /necessidade social e de saúde, que requer uma intervenção ativa emergente.
A minha prática diária de prestação de cuidados a idosos permite-me afirmar, que estamos perante o grupo social mais frágil e vulnerável da nossa sociedade. Apesar de ao longo dos últimos anos observarmos uma crescente preocupação e diretrizes políticas e de saúde de proteção aos idosos, estas têm-se revelado insuficientes. O contexto pandémico veio, inicialmente, chamar a atenção para a necessidade de proteção, acolhimento e serviço aos mais velhos, mas não houve uma suficiente consciencialização social e as medidas revelaram-se na sua maioria, desadequadas.
Lancemos um olhar global, sobre a realidade dos nossos idosos, atualmente. A maior parte vive só, ou com agregado familiar composto por idosos. As relações familiares são frágeis, fruto dos fenómenos de emigração, verificados nas gerações anteriores. Grande parte dos idosos de hoje, não imaginaram viver tanto, e não prepararam adequadamente, a sua velhice. Atrevo-me a dizer, que os adultos de hoje, idosos de amanhã, vivem igualmente, na ilusão da eterna juventude.
A esperança de vida aumentou, e ainda bem, mas trouxe consigo o flagelo das doenças crónicas e incapacitantes, limitadoras da autonomia. A dependência física acarreta inúmeras perturbações físicas, com riscos associados para a saúde do idoso que podem conduzir a uma morte antecipada, mas sobretudo, traz consigo a perda de dignidade associada à perda de capacidades, e dependência de outros para a satisfação das suas necessidades humanas básicas. A perda de autonomia é sempre um importante processo de luto, com necessidade de reajuste e adaptação do idoso a um corpo novo, a uma vida nova. É normalmente, um processo doloroso, vivido muito sozinho consigo próprio e com a pessoa que se encarrega de cuidar.
Na sua maioria, os idosos residem em habitações sem acessibilidade, sendo muito frequente, o encarceramento das pessoas idosas, dentro das suas próprias casas, ou mesmo, dos próprios quartos, pela presença de barreiras arquitetónicas difíceis ou até impossíveis de retificar.
Associadas a estas, há também um aspeto cultural determinante e limitador da acessibilidade da habitação. O melhor espaço da casa fica reservado para os momentos sociais, para ser mostrado aos outros e abdicar desse espaço para colocar lá um idoso doente, dependente, com todo o arsenal de produtos de apoio necessários (fraldas, resguardos, urinol, arrastadeira…) não é, na maioria das vezes, bem aceite, nos círculos familiares.
Os idosos também têm dificuldade, em gerir mudanças e abdicar dos seus bens. Pouparam toda a vida, para deixar heranças para os filhos, que as discutem por tempos indeterminados, nos tribunais até ao último cêntimo.
As contas nas farmácias, são extraordinárias! Contas essas, incompatíveis com as baixas reformas dos idosos. A polimedicação, pode ser necessária, mas é contraproducente. É evidente a incapacidade deste grupo etário para a gestão do regime medicamentoso, pois a complexidade do mesmo é incompatível com as suas limitações cognitivas e sensoriais.
De facto, parece que ser velho não é algo bom ou bonito. As redes de suporte familiar, presentes outrora, escasseiam atualmente. Deixou de existir a figura da filha solteira, que fica em casa para cuidar dos pais. Temos idosos cada vez mais sós, entregues à própria sorte, mal cuidados e desprotegidos. Terminam a vida sós e maioritariamente, morrem sós, rodeados de estranhos nos hospitais.
A pandemia veio agravar e muito, a situação dos nossos idosos. As medidas necessárias para a contenção da transmissão da infeção determinaram um enorme isolamento social. Os centros de dia encerrados, as visitas a lares e hospitais proibidas ou condicionadas motivou um agravamento do isolamento e solidão pré-existentes, bem como, a perda de capacidades pela falta de estímulos sociais positivos.
É urgente olhar para os velhos e intervir. O culto da eterna juventude é uma utopia e quer queiramos, quer não, em pouco anos, os velhos vão ser a moda em Portugal. Daí a necessidade de cada um de nós, e a sociedade em geral, se preparar para esta realidade eminente.
Em primeiro lugar, investir na prevenção da doença crónica e incapacitante, bem como, nas complicações da imobilidade. A adoção de estilos de vida saudáveis desde cedo, permitirá um maior controlo destas doenças e a garantia de uma maior qualidade de vida o maior tempo possível.
É fundamental o envelhecimento ativo, a manutenção das capacidades físicas, sensoriais e cognitivas e a consciencialização individual para a mudança, no combate ao stress e sedentarismo físico e cognitivo.
É importante que os profissionais de saúde e de Ação social evoluam na sua formação e investimento na avaliação das necessidades específicas de cada idoso, análise do risco e atuação pertinente e atempada. A diminuição das complicações da imobilidade física, como por exemplo, as úlceras de pressão representam um ganho em saúde, traduzível na poupança de muito dinheiro necessário para o tratamento. Ou seja, prevenir é investir e poupar dinheiro. Urge a mudança do paradigma atual, incidente no tratamento e não na prevenção.
Para o tratamento, temos de colocar os idosos nos locais certos, com os profissionais certos. Este grupo etário possui características especificas que determinam e impõem uma forma diferente de cuidar. Os problemas e necessidades de cuidados dos idosos são diferentes de um adulto e daí a eventual necessidade de surgirem serviços de Geriatria, porque os doentes não são todos iguais e os doentes idosos são particulares e especiais.
A maior parte, vão ver a sua vida terminar, em contexto hospitalar e será que este momento da morte, não deveria ser o momento apoteótico de uma vida?
Preparamos sempre com o maior cuidado e ternura, o momento do nascimento de uma criança e esquecemo-nos de preparar o momento da morte. Este é o maior momento de celebração e homenagem à Vida.! A crescente ocorrência da morte, em contexto hospitalar reitera a necessidade emergente do cuidado de preparar a morte, enquanto momento único da vida, que deve ser vivido com o máximo de dignidade.
E o que dizer da criação de condições sociais, para que, sem perdas de rendimento, ou direitos laborais e com os apoios necessários, possamos cuidar dos nossos, nas nossas casas. Para isso, terá que ser feito muito mais, do que a simples aprovação de um estatuto de cuidador informal, que nem no papel resultou!
Socialmente, todos temos de ter um papel ativo na proteção da dita terceira idade e constituir uma rede e parceria de consciencialização e de cuidados.
O ensino dos cuidados aos idosos poderia começar desde a primeira infância ao incluí-los nos programas escolares. Não será tão, ou mais importante, aprender frações no terceiro ano de escolaridade, como ensinar uma criança a comunicar com o avô com demência de alzheimer?
É importante criar e fomentar redes de proximidade, suporte e afetos. A presença, apoio de família e vizinhos, das instituições de solidariedade social e do voluntariado. Todas estas estruturas têm de estar organizadas para um apoio informal, mas consistente, ao idoso.
Os idosos, na sociedade atual vivem situações de risco e negligencia, mas não parece haver grande vontade política ou preocupação para lutar e combater esta situação. São criadas equipas de prevenção à violência no adulto, que existem apenas no papel. As auditorias a lares e famílias de acolhimento e estruturas residenciais de idosos são praticamente inexistentes. Aumentam os lares ilegais e quando, muito raramente, se solta uma queixa, esta é abafada de imediato, porque não há estruturas de acolhimento de idosos suficientes para estas situações e em vez de se resolver um problema, é criado outro!
Parte do problema dos velhos vai resolver-se quando os velhos estiverem na moda, e estarão de facto, porque a gente nova, no ritmo a que vamos, estará menos representada! Assim, os idosos serão as personagens principais das novelas de horário nobre, e provavelmente, a publicidade vai incidir sobre as fraldas de incontinência e o andarilho número 1 do mercado! A comunicação social, o marketing, têm já um grande papel na consciencialização social de que é preciso investir em políticas promotoras e defensoras do envelhecimento. É preciso, um grande investimento em formação específica de profissionais de Geriatria que cuidem desta faixa etária como esta merece ser cuidada, com o máximo de dignidade e respeito.
Os velhos de hoje não são trapos, merecem o nosso maior investimento. devemos-lhes aquilo que somos hoje e nós somos os velhos de amanhã.
Havemos de chegar a Santiago de Compostela
José Rodrigues Lima
Na cidade compostelana, granítica, artística, mística, mágica, mítica, histórica e congregadora dos povos, sentem-se as ressonâncias seculares de reis, de eclesiásticos, de nobres, de burgueses, de artistas, de camponeses, de éticos, de estetas e aventureiros que aí experimentaram emoções, percorrendo caminhos íntimos que ficaram materializados nas diversas manifestações artísticas que devem contemplar-se com os olhares da alma.
Os sons da eternidade, a música dos povos, os rituais, os símbolos, as preces profundas, as ansiedades sentidas, os gestos e as palavras misturadas com o aroma do botafumeiro, são completados com o espanto bíblico na admiração do Pórtico da Glória.
Havemos de lá chegar…
Sim, havemos de chegar a Compostela depois de termos percorrido muitos caminhos, calçadas, veredas, pontes, campos, aldeias e povoações isoladas, conversando com camponeses e artistas, gente jovem ou idosa, com sabedoria ou letrada…
Depois de termos contemplado testemunhos de arte antiga nos castros, vias da romanização e escutando do fundo da história “o verdadeiro e o lendário”…
Depois de sentirmos a amálgama dos “laços antigos” do Noroeste Peninsular, trazidos pelas vozes dos antepassados. “No fundo dos tempos/ os velhos sabiam ouvir as vozes do mundo a falar,/ onde o segredo é saber calar”…
Depois das emoções sentidas ao ler os catecismos de pedra, ou fruto do silêncio no claustro da grande abadia…
Havemos de chegar após conversas dum tempo sem tempo, ou fora do tempo, tendo como sons o murmúrio das águas no ribeiro ou o canto da passarada no vidoeiro ou amieiro.
Após sentir os sons diferentes do ciclo anual e os tons das várzeas e das montanhas.
Depois de receber os aromas das flores silvestres e das ervas medicinais, e os paladares dos alimentos crus ou cozidos em potes de ferro, ou em louça de barro escuro.
E não será mentira nenhuma se afirmarmos que o caminho foi “trilhado” em dias de neve, vento, chuva ou frio, e de sol quente, ou em dias amenos e agasalhadores, de rosas.
Os livros ajudaram-nos a compreender melhor a memória dos homens e das coisas, e a sabedoria das pessoas idosas transmitiram-nos o “outro lado” da vida.
Recordaremos o início dos “laços antigos-conversas de hoje” em que saboreamos os poemas dos escritores de Celanova e a “Longa Noite de Pedra”, e conhecermos as figuras míticas do carnaval de Xinzo de Limia, ou a luta do “cristiano” e do “mouro” no território sacro do antigo mosteiro cisterciense da Franqueira.
Lembraremos a “mulher bíblica” de Ribadavia e os seus doces hebraicos, e de modo especial o seu encanto da visão multicultural, falando com as as mãos esbranquiçadas com farinha finíssima.
Recordaremos novamente Xoan de Cangas Mendinõ, Martin Codax, Charinho, Rosalia, Cabanillas, para em Hio homenagear todos os artistas da pedra…
Serão em grande número aqueles que nos acompanharão ouvindo o “Coro dos Peregrinos” de Wagner, ou os “Sons do “Pórtico da Glória” do grupo musical “In Itinere”.
Ao avistar as torres da catedral o gozo será sentido e a boca pronunciar: “Ultreia! Deus adjuva-nos!”.
No nosso imaginário eram muitos os que nos acompanhavam, e entre eles figuravam as personagens históricas do bispo Nausto de Coimbra, Afonso III, o Magno, e o artista português Mateus Lopes com obras no Mosteiro de São Martinho do Pinário e no antigo colégio de São Gerónimo, actualmente reitoria da prestigiada Universidade de Santiago.
A Rainha Santa Isabel e o Rei D. Manuel decalcaram o caminho…
Do centro da irrepetível Praça do Obradoiro contemplamos a catedral, e o fascínio do barroco arrebatou-nos “os olhares artísticos e místicos”…ouvindo sons musicais e o bronze das torres seculares.
Relemos de Valle-Inclán o texto narrado na obra “La Lampara Maravillosa”: “De todas as formosas cidades espanholas a que parece mais imobilizada num sonho granítico, imutável e eterno, é Santiago de Compostela…”
Não parece antiga, mas eterna…
Mas Compostela imobilizada no êxtase dos peregrinos, junta todas as suas pedras numa só povoação… “Ali, as horas são uma mesma hora, eternamente repetida debaixo do céu chuvoso”.
Não resistimos, e lemos de F. Bouza Brey: “Olha como a cidade sabia e santa por tua/ se adovia c’os tímidos abalorios da lúa;/ e de cada recanto fai xurdir, mistirosas,/ as milhentas figuras das lendas mais fermosas”.
Cumprimos os rituais da tradição jacobeia no Pórtico da Glória, não esquecendo os “croques” junto do mestre Mateo.
Fomos subindo até ao Alto-Mor e fizemos o que recomenda o poema de Miguel Torga: “E o peregrino vem/ Reza devotamente,/ Põe no altar o que tem,/ E regressa mais livre e mais contente…/ Assim faço também!”
A boca pronunciou preces, o coração vibrou, “e a alma sentiu o gozo do eterno e a verdade incomensurável…” Formulámos o pedido: “DESEJAMOS UM MUNDO SEM MEDOS… PARA TODOS”.
Abraçámos o apóstolo e venerámos as relíquias, que são “ o centro da mística jacobeia” e marcaram a história do ocidente.
Sentados num banco de granito escurecido pelo tempo, lemos de Rosalia de Castro o poema “Na catedral”:
“Estarán vivos? Serán de pedra
Aqués sembrantes tan verdadeiros,
Aquelas túnicas maravillosas,
Aqueles ollos de vida cheos?”
(…)
Recordámos de Payo Gomez Charinho a cantiga: “Ai Sant’iago, padrón sabido”
Ser Português
Andreia Belo
Afinal, o que é ser português? Há quem diga que é alguém pouco educado, rude, que fala alto e a um ritmo acelerado e que chega constantemente atrasado. Também há quem o considere um bom trabalhador e um ser acolhedor.
É certo que somos um povo descontraído, que não considera ofensivo chegar meia hora atrasado aos compromissos. Mas não acredito que ser português seja sinónimo de ser-se pouco educado.
Ser português está intimamente ligado à nossa alma (lusitana), com um espírito e um sentimento muito próprios, de um país pequeno em tamanho, mas grandioso nos feitos mais que comprovados pela nossa história de descobridores e conquistadores do mundo. Somos, assim, conhecidos por trazer novos mundos ao mundo e por um forte sentido de solidariedade, entreajuda e hospitalidade.
Somos, como proclamado pelo hino, nobres e valentes. Somos resilientes, sofredores, corajosos, bravos, gloriosos, um tanto ou quanto dramáticos e muito dados à saudade, essa palavra tão nossa.
Na verdade, naquilo que o português é melhor é no saber receber e acolher como ninguém: o português gosta de ser bem recebido, mas é especialista na arte do bem receber.
Não nos esqueçamos, por outro lado, da fama de bons trabalhadores. Se há povo que é conhecido por trabalhar (muito) é o português. No que diz respeito à vida profissional, os portugueses exigem de si próprios ser exímios em tudo o que fazem, colocando tudo de si em cada pequena coisa, tal como dizia o poeta Fernando Pessoa.
Ser português é também ser europeu, viver de acordo com determinados valores, direitos, garantias e deveres comuns a um conjunto de países e de cidadãos que se unem em prol de um projeto partilhado. Isto torna os portugueses mais diplomáticos, tolerantes, conscientes da diversidade cultural e da crescente necessidade de cooperação internacional.
É viver num contexto em que o sistema político, social e económico não reúne, tantas vezes, as melhores condições, destacando-se o excesso de burocracia e a fraca organização infraestrutural, a débil articulação entre as diferentes entidades, o difícil acesso e a desagregação da informação e a deficiente ligação dos meios rurais aos meios urbanos. Aponta-se o dedo à classe política, a várias classes profissionais (professores, médicos, juízes, agentes da autoridade, etc.), às instituições públicas, às organizações privadas e às diversas etnias que se instalam no nosso país à procura de uma oportunidade melhor.
Contudo, não somos o povo mais reivindicativo ou o mais participativo, nem sempre compreendendo que, efetivamente, está na nossa “mão” transformar o que está à nossa volta. Prova disso é o crescente distanciamento dos cidadãos em relação à política e a elevada abstenção nos atos eleitorais das últimas décadas.
É o que me leva a afirmar que somos um povo pacifista, conformista e acomodado, que se salva pela vontade incessante que tem de se superar.
O povo português ficou marcado pelos anos de ditadura vividos, condição que resulta, muitas vezes, na presença de uma mentalidade mais fechada e conservadora, sobretudo nas faixas etárias mais avançadas. Identificando-se ainda, talvez por isso, a existência de casos de resistência à mudança ou de processos de mudança que iniciaram tardiamente.
Temos, deste modo, caminho a percorrer no que concerne à aceitação e respeito pela diferença e por novos ideais, ao que é novo, às grandes transformações que resultam da tecnologia, da inovação, de novas tendências, necessidades, soluções e novas formas de pensar, de trabalhar, de fazer e de criar.
Não obstante, reconhecemos o trabalho, o esforço e o investimento que têm sido aplicados pelos portugueses no sentido de tornarem os seus negócios inovadores e diferenciadores, sobretudo no atual contexto de pandemia que vivemos, em que para tudo (ou quase tudo) foi necessário adaptar, reinventar, inovar e empreender.
Nós, portugueses, nem sempre nos autovalorizamos, atribuindo maior relevância ao que não é nosso, ambicionando e desejando o que não temos, o que não somos, o que acontece fora das nossas fronteiras.
Somos dos melhores produtores de vinho do mundo, podemos dizê-lo. Temos do melhor peixe e da melhor carne do mundo, podemos dizê-lo. Temos dos melhores chefs de cozinha do mundo, também podemos dizê-lo. Temos dos melhores desportistas do mundo, sabemos que podemos dizê-lo. Temos diversas personalidades do meio artístico e cultural entre as melhores do mundo, devemos dizê-lo.
Destacamo-nos nas mais diversas vertentes, desde a segurança, a gastronomia, o clima, a cultura, a proximidade e ligação ao mar e à pesca, a qualidade de vida e do meio ambiente, as tradições e o artesanato ao crescimento exponencial do turismo, que resulta do melhor que temos para oferecer.
Ser português é viver num país livre e seguro.
Ser português é gostar de petiscos, da posta de bacalhau, dos enchidos, da tigela de vinho, da sardinha assada, das festas populares e romarias (onde assistimos ao despique dos grupos de bombos, ao desfile das marchas populares e às atuações dos grupos folclóricos), do fado, dos azulejos, dos vastíssimos miradouros, da calçada portuguesa, dos cruzeiros, capelas, igrejas e santuários, dos fortes, castelos e muralhas, das praias do norte de água gelada e das praias algarvias com temperaturas bem mais amenas.
Ser português é visitar a serra; é ouvir o canto alentejano e o fado e sentir um orgulho sem par.
É falar português, a 5ª língua mais falada do mundo, é dizer com vaidade que é a língua de Camões e que pode ser ouvida em praticamente todos os continentes (na Europa, na África, na América e na Ásia). A Língua Portuguesa para além de ser uma língua que aproxima e liga continentes, é motivo de forte empatia entre portugueses, brasileiros e espanhóis, pelas naturais semelhanças no idioma.
É ter o privilégio de viver num país rico no que à natureza diz respeito, que assenta na diversidade da fauna e da flora, o que nos oferece um conjunto completo e rico de matéria prima que nos permite satisfazer muitas das nossas necessidades: de produção, de abastecimento, de lazer, de criação de novos negócios e de emprego.
Somos um povo que tem junto de si rio, mar, campo, montanha, quintas de cultivo do azeite e do vinho e pomares de fruta, que pode desfrutar de belezas paisagísticas de fazer cortar a respiração e onde o ar é fresco e leve e predominam os cheiros do pinheiro, da giesta, do carvalho e do castanheiro, que nos preenchem e libertam a alma.
O português encontra-se, por outro lado, muito ligado à fé e à religião, à Igreja Católica, a Fátima. Sempre fomos fortes no acreditar que o impossível só o é até chegar alguém que o torne possível, a remarmos contramarés, a enfrentarmos com toda a resiliência que nos caracteriza várias crises económicas, sociais, ambientais e políticas. Assim como, certamente, iremos recuperar da atual crise pandémica, mais fortes, mais preparados.
Continuamos a nossa luta pela igualdade de género, pela igualdade de oportunidades e inclusão social, por melhores condições de trabalho, pela urgência de reduzirmos o nosso impacto no meio ambiente, pela liberdade de expressão, pela não violência, contra a corrupção, pela maior transparência das organizações, pela valorização da produção nacional.
Ser português é ser-se simples e humilde, próximo, informal e afável. Os portugueses são o povo dos afetos, do toque, do aconchego e conforto do lar, que encontra reconforto nas iguarias da sua gastronomia e que procura manter o seu equilíbrio físico e mental através da contemplação da natureza.
É o povo que transmite histórias de geração em geração, que vibra com a vitória do Europeu de 2016 e com um “Amar pelos dois”, interpretado por Salvador Sobral, que nos levou até ao primeiro lugar do Festival Eurovisão da Canção 2017. Demonstrações do quanto somos magnânimos, lutadores, persistentes e talentosos.
Ser português é querer manter o antigo, o rústico, o tradicional. É ser-se genuíno, é ter orgulho no que somos, no que fazemos e no que temos, no nosso património cultural. É viver com mágoa e ser de sorriso aberto e fácil.
É sentir para além do palpável, ler nas entrelinhas, encontrar na história e no passado bem-sucedido a esperança e a força para enfrentar as inquietudes do presente e encarar o futuro com garra.
Os portugueses estão deprimidos? Os efeitos da pandemia
Liliana Abreu, doutorada em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (2018)
Inquérito internacional revela que portugueses estão deprimidos: Jovens e famílias com filhos são os mais afetados
Com o objetivo de continuar a avaliar o impacto social e económico da pandemia a nível mundial foi lançado há cerca de seis meses a segunda fase do inquérito mundial denominado «Life with Corona» que, em Portugal, tem como parceiro o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S). Os dados já obtidos mostram que uma parte considerável da população apresenta sintomas ligeiros de depressão e que cerca de 50 % dos inquiridos de Portugal, Argentina, Indonésia, Reino Unido e Estados Unidos, assim como 40% dos alemães, revelam sintomas mais graves de depressão. A geração mais jovem e as famílias com filhos são os mais afetados.
“O “Life with Corona” foi lançado a 23 de março de 2020 e, nesta segunda fase, que começou a 1 de outubro, «tentámos perceber os efeitos psicológicos que a pandemia e as medidas preventivas têm tido sobre as pessoas. Até 4 de março recebemos um total de 21.552 respostas de 136 países e, até ao momento, Portugal é segundo país com mais participações» no estudo, depois da Alemanha, salienta Liliana Abreu, investigadora portuguesa na Universidade de Constança (Alemanha), uma das instituições que lidera o projeto.
Liliana Abreu, que já foi investigadora no i3S e com o qual mantém a colaboração através deste projeto, explica que analisaram os dados relativos a Portugal e verificaram que «50% dos participantes apresentam níveis de depressão moderada», o que, diz, «é significativo». Uma das causas identificadas tem a ver com a diminuição dos rendimentos mensais. «Percebemos também, ao contrário do que se pensava, que os mais jovens são mais propensos a apresentar níveis mais elevados de depressão em comparação com os mais velhos, o que expõe o fardo adicional que as gerações mais jovens estão a sofrer», acrescenta.
«Existem imensos estudos a decorrer sobre a pandemia, termos um bom nível de participação num estudo internacional, demostra o interesse dos portugueses em nos ajudarem a compreender o impacto que esta crise está a ter nas suas vidas», salienta Liliana Abreu. Os dados que chegaram de Portugal são semelhantes aos obtidos nos restantes países e torna-se evidente que a saúde mental foi fortemente afetada pela pandemia. «Só o facto de ter sintomas da doença pode desencadear problemas de saúde mental. Isto sugere que o medo de estar doente com COVID pode estar a causar níveis mais elevados de stress», acrescentam os investigadores.
A equipa internacional de investigadores está agora a comparar como estão a reagir aqueles que vivem sozinhos e aqueles que vivem com outros, e também aqueles que vivem com crianças e aqueles que não vivem. Segundo os dados já disponibilizados no site «Life with Coronoa» (https://lifewithcorona.org/how-we-experience-the-pandemic-is-shaped-by-who-we-live-with/), as pessoas que vivem sozinhas «emergem como o grupo que teve as piores experiências durante a pandemia. São mais propensos a relatar níveis mais baixos de satisfação de vida do que a média geral da amostra e são também mais propensos a sentir ansiedade ou depressão». Pelo contrário, os indivíduos que vivem com uma outra pessoa «têm, geralmente, lidado melhor com a pandemia e as suas contramedidas. Em comparação com a média da amostra, relatam um maior bem-estar subjetivo, e têm menos probabilidades de sentir depressão, ansiedade ou demonstrarem comportamentos agressivos».
Quanto às pessoas que vivem com um ou mais adultos e com crianças, em comparação com a média da amostra, «têm os piores indicadores de consumo alimentar. É mais provável que tenham ganho peso, petiscam mais frequentemente e fumam e bebem mais do que qualquer outro grupo. Também apresentam níveis mais elevados de ansiedade e agressividade. É também mais provável que tenham experimentado maior tensões entre os membros das suas famílias».
O objetivo dos investigadores passa por «gravar» as vozes e as experiências dos cidadãos de todo o mundo durante este período invulgar de pandemia. Sem fins lucrativos, e baseado em métodos académicos rigorosos, o projeto visa populações adultas em todo o mundo e está traduzido em 27 línguas. O inquérito continua em curso (https://lifewithcorona.org/survey/) pelo menos até finais de 2021, pelo que ainda é possível participar. Maria Rui Correia, investigadora no i3S responsável por disseminar o projeto em território português, apela “a todos os portugueses para responderem ao inquérito, pois, só com a participação dos cidadãos se consegue uma imagem real do que se passa na nossa população neste tempo de pandemia”.
A iniciativa do «Life with Corona» partiu de uma equipa de investigadores internacionais da área das ciências sociais, nomeadamente do Centro de Segurança e Desenvolvimento Internacional (ISDC), na Alemanha, do Instituto Mundial de Investigação em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER), na Finlândia, do Instituto Leibniz de Culturas Vegetais e Ornamentais (IGZ), na Alemanha, da Universidade de Constança, na Alemanha, e do Instituto de Estudos de Desenvolvimento (IDS), no Reino Unido. O projeto é liderado por Tilman Brück (ISDC/IGZ), Patrícia Justino (UNU-WIDER), Anke Hoeffler (Universidade de Constança) e Wolfgang Stojetz (ISDC). Para além do i3S, este projeto de Ciência Cidadã contou com a participação de instituições e organizações de vários países. Os investigadores pretendem obter dados relevantes para apoiar respostas socioeconómicas sustentáveis à pandemia causada pelo novo coronavírus.
Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S)
Liliana Abreu, doutorada em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (2018). Obteve uma bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, tendo como Instituição de Acolhimento o i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde. Durante o seu doutoramento obteve uma Bolsa Fulbright, que lhe permitiu desenvolver parte do seu doutoramento nos EUA, passando pela Universidade de de Massachussets e pela T.H. Chan Harvard School of Public Health. A sua tese de doutoramento centrou-se no estudo da literacia em saúde distribuída de pessoas com doenças crónicas, especificamente, asma e diabetes. Atualmente, é investigadora na Universidade de Constança (desde 2019), Alemanha, no Grupo de Desenvolvimento e Investigação, onde desenvolve investigação na área da epidemiologia social em países em desenvolvimento e dá aulas de Saúde Global.
Rudolf Diesel: Inventor do primeiro motor “diesel”
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História pela Universidade do Minho
Rudolf Diesel: Inventor do primeiro motor “diesel”
Subsídios para a memória dos grandes inventores •
Há designações que se pronunciam vezes e vezes sem conta, como se tudo que nos rodeia fossem favas contadas, e tudo caísse do nada, como um automatismo. Porém, caros leitores, nada surge do acaso, tudo, ou quase tudo, tem a sua explicação. É o caso dos motores a gasóleo, ou, como muitos preferem, a “diesel”. Ora, este tipo de motor deve-se a um grande inventor da segunda metade de Oitocentos. Trata-se de Rudolf Diesel, nascido aos 18 de março de 1858, na cidade de Paris (filho de pais alemães).
A Guerra Franco-Prussiana havia estoirado (1870-71), Rudolf era ainda um estudante, partiu via Londres para Augsburgo, onde cresceu com os pais adotivos. O jovem, sem apoio familiar e financeiro, teve que tomar as rédeas da sua própria vida, para singrar, deu aulas particulares. Mais tarde, o Colégio permitiu-lhe estudar no Polytechnikum Munchen e, logo depois, na Technische Hochschule, na qual se formou em 1880 – foi considerado o melhor examinado de todos os tempos. Rudolf, enquanto aluno, considerava preocupante o desperdício de energia das máquinas a vapor, e toda a poluição irritante que geravam. Aos dez de agosto de 1893 criou o primeiro modelo de motor a diesel, que funcionou de forma eficiente, e ao longo dos tempos foi sendo aperfeiçoado até alcançar os mais elevados padrões de fiabilidade, consumo, potência, espaço, etc., de tal modo que a sua adoção pela indústria automóvel, naval, ferroviária, e outras, se tornou progressiva, massificando-se. Logo na segunda década de Novecentos, Rudolf fez questão de salientar que os motores a diesel podiam ser alimentados por óleos vegetais, e com isso incrementar o desenvolvimento agrário de diversos países. O combustível inicialmente utilizado nesses motores era o óleo de amendoim (e outros) – tratando-se de motores de injeção indireta que, mais tarde, evoluíram para a injeção direta. Após a morte de Rudolf, a indústria do petróleo desenvolveu aquele que seria o combustível mais utilizado, o denominado “óleo diesel”, que por ser mais acessível em preço foi largamente produzido e comercializado. A abundância de jazidas de petróleo associada aos baixos preços dos seus derivados fez com que a utilização de óleos vegetais caísse nas calendas gregas. Atualmente repescam-se as ideias do criador, devido às alterações climáticas, e introduz-se Biodiesel (em determinada percentagem) no denominado gasóleo. Rudolf Diesel, finou-se aos trinta de setembro de 1913, no decurso de uma viagem no Canal da Mancha, ainda hoje por esclarecer. As suspeitas da sua morte apontavam para acidente – suicídio ou até homicídio, nunca se chegou a saber. Assim desapareceu um Homem que revolucionou os destinos da humanidade de forma indelével.
O maior desafio da direita portuguesa
Pedro Salvador – antigo conselheiro nacional do PSD
O maior desafio da direita portuguesa
Se dúvidas existissem sobre o que é ser de direita ou de esquerda, elas ficam bem esclarecidas pelo caso português. No nosso país, desde a criação da geringonça há 6 anos atrás, é impossível alguém ter dúvidas sobre de que lado do espelho político está.
Nunca, como hoje, tive tantas certezas de ser de direita e da direita portuguesa. O meu partido foi fundado na matriz social democrata, no centro esquerda da época, considerando que no período revolucionário era o melhor enquadramento a dar a um partido que não queria ser de esquerda. Sobre esta estratégia de posicionamento, muitos já desenvolveram, desde logo o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que um dia num congresso do PSD nos contou que até 1976 nos tratávamos por camaradas e não por companheiros. É uma temática que faz parte do legado social democrata e tem o seu momento de enquadramento histórico.
Alguns anos depois da fundação do PSD, com a chegada de Aníbal Cavaco Silva à liderança do PSD, o partido posicionou-se no centro político, encostando o CDS à direita e conquistando espaço à esquerda moderada e conservadora. Esse é o centro político português: o oscilar de votos entre esquerda e direita, o intervalo de decisão de cerca de 20% a 30% do eleitorado português.
Quem diaboliza os extremos políticos de esquerda ou de direita, ignora e despreza em absoluto o que desde o 25 de Abril acontece no centro (o tal espaço de conservadores que votam indistintamente à direita ou à esquerda). É neste espaço que se ganham eleições. Os iluminados que andam preocupados em dar palco às minorias são exatamente os mesmos que ignoraram o que se passou na génese da criação da geringonça.
Essa invenção de António Costa, batizada genialmente por Paulo Portas de geringonça, não é mais do que a união desesperada da esquerda para não desaparecer. O que aconteceu em 2015 foi exatamente isso. O PSD e o CDS governaram num dos piores momentos da vida democrática do país e se voltassem a governar iriam provar que a receita funcionava. Mas, cometeram erros que ninguém pode desvalorizar, como o da rutura do pacto social e intergeracional das pensões, através dos cortes desproporcionados no rendimento dos mais velhos, ou o não saber comunicar a cada momento com a envolvência e humanismo que se impunha. E esses 2 erros custaram a não obtenção de uma maioria de direita e o assalto ao poder pela esquerda, num movimento sem precedentes na história parlamentar portuguesa.
Tudo o que demais aconteceu, e que é o mais importante na legislatura de Pedro Passos Coelho, a máquina trituradora dos avençados de esquerda encarregou-se de tentar apagar da história. Mas, o povo português tem memória e não será fácil apagar o período de 2011/2015 dos livros. Este é um dos períodos mais ricos em reformas e em recuperação económica de que há memória!
O estado em que Pedro Passos Coelho deixou o país, após o estado de caos em que o recebeu, é dos maiores feitos de um político português. Assim, já à distância, as pessoas começam a valorizar o estilo e a obra de Pedro Passos Coelho por 3 grandes razões: disse sempre a verdade, não enriqueceu na função e não teve medo dos poderosos deste país. Ou seja, as pessoas começam a ver que afinal não há nenhum bicho papão em Pedro Passos Coelho.
Aqueles que hoje andam perdidos na direita portuguesa são os mesmos que não querem o regresso de Pedro Passos Coelho. Não querem que acabe este deboche alimentado pela esquerda e pelos que se dizem de direita mas gostam é de dar sempre a mão à esquerda. O tal centrão de estou sinceramente enjoado e enojado.
Este é o paradigma atual e que urge resolver através de uma claríssima revolução nos partidos de direita com vista a afirmarem a sua posição ideológica sem medo de nada ou de ninguém. A direita portuguesa não precisa de pedir licença a ninguém para existir. Foi com a direita no poder que aconteceram as legislaturas de maior desenvolvimento social e económico de Portugal. Não foi com a esquerda e a história desmente quem o afirme.
Portugal não pode viver entre a comiseração e a miséria provocadas por políticas totalmente caducas e ultrapassadas que visam a castração da iniciativa privada e a penalização fiscal de tudo o que tem sucesso. Para a esquerda portuguesa, não podem existir ricos.
Portugal precisa de se libertar desta visão promovida diariamente pelo soundbyte de que somos uns pobrezinhos, uns coitadinhos e uns explorados pelo patronato. Não somos. Somos roubados pelo Estado através de impostos que não são aplicados onde deviam ser aplicados. Andamos a pagar, há anos, vários disparates dos amigos do poder político, entre os quais: vários bancos falidos, uma companhia aérea sem qualquer viabilidade e interesse económico, juros de dívidas anteriores que ninguém consegue explicar e infelizmente muitas outras barbaridades financeiras.
A direita portuguesa não precisa de se refundar ou reformar. A direita portuguesa tem que encontrar entre si um líder que seja de direita e não esteja ao serviço da esquerda. A direita portuguesa não tem que ter medo daqueles que apelidam de facho ou fachista tudo o que não é de esquerda. A direita não tem que dar importância a quem não sabe distinguir um facho de um comuna ou um parasita de uma bactéria. A direita dos fachos acabou em 1974 e quem continuar a alimentar o contrário é porque teme seriamente um projeto político diferente daquele que nos faz marcar passo há 6 anos.
Essa tragédia política que caiu sobre Portugal tem uma definição: geringonça das esquerdas perdidas e ultrapassadas comandadas por um político profissional genial em acordos de faz de conta. São 6 anos a penar. De quantos mais precisamos para acordar para a realidade?
Já é Natal dentro de ti?
Augusta Dantas
Quando chega o Natal eu volto a ser menina. Recuo no tempo de um modo incrível e, num abrir e fechar de olhos, voltam tantas sensações e imagens. Volta o arrepio no corpo pela humidade da adega onde todos os fins de tarde de Inverno descia agarrada à perneira das calças do meu pai para encher a caneca do vinho para o jantar. Voltam os pés humedecidos pelas galochas vermelhas ressoadas. Volta o roçar desconfortável dos collants grossamente caneladas nas pernas roliças. Volta o quentinho da capa de padrão xadrez escocês a embrulhar-me os ombros. Volta a frescura do ar envolvente que contrastava com o calor do hálito que formava desenhos esvoaçantes que rapidamente se desfaziam no ar. Volta o frio que salpicava de rosa as bochechas geladas e a ponta do nariz. Volta o tilintar inconstante do sino altivo, pendurado lá no cimo da fachada da casa, que em quadra festiva dava sinal da chegada dos visitantes pontuais e dos cantadores de Janeira. Sim, porque na província desse tempo, quem é de casa não bate à porta nem bate palmas, simplesmente entra. Entra e fica no coração.
Contudo, este ano está a ser mais desafiante fechar os olhos, abastecer-me de memórias e resgatar essa menina. Talvez ela esteja só do outro lado da porta à espera que eu abra. E eu ainda não fui espeitar. Talvez não me sinta ainda pronta para a receber devidamente. Sinto que preciso de limpar o caminho primeiro. Conhecem a sensação? É que nesse caminho eu coloquei um sem número de tarefas e compromissos aos quais me comprometi colocar um ponto final até ao final do ano. E talvez nesse compromisso comigo mesma tenham surgido outras questões que eu não vi chegar e que impedem a menina de entrar e o Natal de ser sentido com a mesma intensidade e com o mesmo amor, pelo menos para já.
Talvez a exigência – e às vezes até intransigência – comigo mesma, o medo de perder o foco e a consistência, a alteração da rotina diária que deixou de fora algumas coisas que me dão prazer e das quais escolhi abdicar por agora, o desafio por haver imensas coisas novas a aprender do zero, o pensamento de “será que serei capaz?” e a percepção de que o pensamento começa a ficar mais vezes acelerado e as acções desconcentradas e com mais falhas estejam a adiar esse viver o Natal dentro de mim.
E isso faz-me pensar na quantidade de vezes que nós não nos permitimos sentir e viver não só o Natal mas a vida com mais ligeireza, naturalidade e profundidade. Na quantidade de vezes que exigimos demasiado de nós e consequentemente dos outros, em que ficamos assoberbados em montanhas de tarefas que a certa altura acabam por desabar em cima de nós, em que não nos permitimos dizer “não” para não desiludir ou desagradar.
Em vez de colocarmos tanta pressão em cima de nós e tanta cobrança ou culpa perante as vezes em que simplesmente não cumprimos, talvez tudo fosse mais fácil, e fizesse mais sentido, se a certa altura nos focássemos na nossa intenção e perguntássemos a nós mesmos: “Mas porque faço eu tudo isto? Qual é a minha intenção?” E talvez as respostas que encontrássemos fossem surpreendentes. Ou não. Talvez até ouvíssemos de nós mesmos um “não sei”. E talvez essa simples falta de resposta mais concreta nos pudesse ajudar a reorganizar e mudar a rota desse nosso caminho. Ou talvez até percebêssemos que afinal é mesmo por aí que queremos ir, porque é aí que está a nossa voz, a mensagem que queremos partilhar com o mundo, a vontade de servir ao outro deste modo, o contributo que damos de volta à vida ou à sociedade e faz mover a máquina ou o universo, como lhe quiserem chamar.
E talvez nessa pausa para olhar para dentro, perguntar e ouvir a resposta que há em nós, esteja afinal a verdade que fará a diferença entre sentirmo-nos assoberbados por uma catrefada de tarefas e de emoções e a fantástica sensação de plenitude e realização que pode vir do cumprimento ( e às vezes incumprimento também!) dessas mesmas tarefas.
Talvez o reencontro com esse nosso propósito que cada um leva lá dentro nos ajude a ver a situação por um outro prisma e a relativizar tudo. Talvez se por vezes olharmos para dentro e nos voltarmos para fora de seguida, consigamos não estar tão auto-centrados e focados em nós e no nosso pequeno mundo. Talvez assim percebamos que há outros a sentir exactamente o mesmo. Outros que procuram compaixão, reconhecimento e conexão, tal como nós.
E essa aproximação e identificação connosco nunca se dará numa óptica de exigência e expectativa, mas sim de vulnerabilidade e de esperança.
Afinal aceitarmo-nos como somos e aceitar ver o outro como ele é pode ser um passo gigantesco para o Natal chegar. Um passo de gigante para sentirmos Natal cá dentro. E isso significa aceitar todas as caixas que possam estar à frente do caminho a bloquear a entrada dessa menina que um dia fomos.
Talvez se eu for mais bondosa comigo mesma, a menina que há cá dentro, e que espera pacientemente do outro lado, consiga finalmente passar para o lado de cá. Talvez já sem caixotes de tarefas à frente ou talvez até com algumas desviadas para o lado, porque afinal até nem eram tão inadiáveis como isso. E talvez eu não queira adiar o Natal.
Talvez assim eu consiga voltar a esse mundo de memórias, emoções e sensações. Talvez assim volte a alegria pela chegada dos meus primos de Peniche que anualmente vinham para a Ceia. Talvez volte ansiedade pela descoberta da magia dos presentes do Natal. Talvez volte o fervilhar do azeite que parece cantar no forno a assar o bacalhau à moda da Celestinha. Talvez volte o cheiro indiscritível dos troncos de madeira queimada a crepitar no fogão a lenha. Talvez volte o ladrar animado dos sete amigalhaços caninos perante o som dos foguetes, tiros e loiças partidas a darem boas-vindas ao novo ano. Talvez volte o toque rouco do pesado telefone preto que parecia esperar tranquilamente ao cimo das escadas tantas vezes pouco iluminadas, se enchessem de luz e de vida quando, alguém ligada a luz ténue instável para se acomodar e ouvir do outro lado uns amistosos votos de “Boas Festas.”
Neste ano em que as “festas” serão em número mais reduzido, lembremo-nos que presença é muito mais do que estar ao lado e partilhar espaço. É partilhar vida. E partilhar vida muitas vezes pode significar resgatar memórias, emoções e sensações.
E que “dar ou fazer uma festa” pode ser também o acto de demonstração de um sentimento de ternura ou afecto. E esse pode ser feito das mais variadas formas. Desde que seja sempre feito com muito carinho e parta do coração. Não será essa afinal a magia do Natal: abrirmos o coração e permitirmo-nos recordar, viver e sentir?
Não quero que o meu Natal chegue e eu fique com uma sensação de porta arrombada. Ao escrever este texto, percebi que afinal posso permitir-me abri-la devagarinho, pouco a pouco todos os dias, e ir sentindo Natal dentro de mim.
E tu, como te sentes? Já é Natal dentro de ti?
Iron-Bridge of Coalbrookdale: A primeira Ponte de Ferro a marcar a Revolução Industrial na Inglaterra
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural, pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial
Subsídios para a memória do património industrial •
A primeira ponte de ferro construída no mundo, denominada em inglês “The Iron-Bridge” foi erguida num desfiladeiro, para travessia do rio Svern, próximo de Coalbrookdale, em Shropshire na Inglaterra. A ponte é um Monumento inglês, classificada em 1986 como Património Mundial pela UNESCO. A ponte de ferro é de facto uma Obra de Arte, que marca a ignição de uma Nova Era: A Revolução Industrial.
A imagem, adaptada, publicada no “The Telegraph”, ilustra a beleza ímpar da Iron-Bridge, que se constitui por um arco belíssimo que se conjuga brilhantemente com os suportes. A infraestrutura tem cerca de trinta metros de comprimento, cinquenta e dois metros de altura, e dezoito de largura. Na sua construção foram empregues várias centenas de toneladas de ferro fundido (cerca de quatrocentas). O que faz deste Monumento Mundial um ícone é precisamente o seu pioneirismo, remetendo-nos para 1709, quando Abraham Darby se apercebeu que o carvão de Coalbrookdale poderia ser utilizado para fundir ferro. A sua viabilidade económica permitiu avançar para a produção em massa de ferro-fundido, o que acabaria por despoletar a ignição daquela que ficou conhecida como “Revolução Industrial” inglesa. Em 1773, o arquiteto de Shrewsbury, Thomas Pritchard, teve uma ideia atrevida: Capitalizando os conhecimentos de engenharia com as novas técnicas de fundição de ferro, propôs aquela que seria a primeira ponte de ferro do mundo. A mesma haveria de ser fundida e construída pelo neto de Abraham Darby: Abraham Darby III. Tratando-se de uma ponte forte e durável, cuja missão seria apoiar o transporte de mercadorias através do rio Svern, reduzindo o trânsito de barcaças. Em 1777, os projetos de Pritchard para uma ponte de vão único de trinta metros (cem pés) foram aprovados pelo Parlamento inglês. A edificação da ponte começou nesse mesmo ano, mas, por infortúnio, o génio que a desenhou finou-se passado um mês do arranque dos trabalhos. Porém, entre 1777 e 1779, as obras continuaram, após Abraham Darby III aceitar dar bom porto ao projeto, e todo o ferro ser fundido na fornalha de Coalbrookdale. Em 1781, a um de janeiro, a ponte foi aberta ao tráfego, tornando-se de imediato num local procurado pelos turistas ingleses e estrangeiros. A sua escala e engenhosidade atraiu escritores, poetas, pintores e outros artistas que nela encontraram o expoente máximo da arquitetura – inserida num local predestinado ao deleite e à imaginação. O peso colossal da ponte permitiu aguentar grandes cheias no rio, mantendo a passagem. Contudo, em 1795, os pilares causaram danos na estrutura de ferro, abrindo fissuras, motivadas pela inconstância das margens, que os fizeram mover. Entre 1795 e 1821, houve a necessidade de reforçar os pilares da ponte. O pilar do lado sul foi modificado várias vezes e, porventura, substituído – inicialmente por dois arcos de madeira, e depois por arcos de ferro-fundido. Em 1934, após cento e cinquenta anos ao serviço, a ponte foi definitivamente encerrada ao tráfego rodoviário e designada como “Monumento Antigo”. Em 1973, uma haste de betão armado foi inserida na margem do rio para apoiar os dois encontros, neutralizando desse modo a tendência dos lados da garganta de empurrar para dentro. Em 1997, um pequeno esboço em aguarela realizado por um artista, de seu nome “Elias Martin”, deu à tona em Estocolmo, lançando por fim luz sobre um velho mistério: A forma como a ponte havia sido construída. Na viragem do século XX para o século XXI – 1999-2000 – a ponte foi alvo de um grande programa de conservação e pesquisa. As entidades “English Heritage” e o “Ironbridge Gorge Museums Trust”, realizaram um levantamento arqueológico exaustivo, o que permitiu obter informação detalhada acerca da natureza da ponte e seu desempenho. Entretanto, em 2017, o de “English Heritage” deu corpo ao maior trabalho de reparação, conservação e repintura da ponte, restituindo-lhe a sua cor primitiva. Os trabalhos foram dados por concluídos em 2018. Atualmente, a ponte é utilizada para passagem de peões, apesar de o seu arco ter sofrido um ligeiro abatimento. A Obra de Arte, marco indissociável da Revolução Industrial, é um dos mais icónicos monumentos construídos em ferro. É, portanto, a marca indelével da génese do Património Industrial, que encontra em muitas infraestruturas em ferro como pontes, fábricas, gares, e outros, dos mais belos Monumentos em simbiose com a natureza que os sustem. No distrito de Viana do Castelo a Ponte Eiffel sobre o Lima é talvez o Monumento mais expressivo do património industrial da região. Há outras infraestruturas também elas valiosíssimas, como a Ponte Ferroviária sobre o Coura, em Caminha, da empresa Fives-Lille, ou a extinta Ponte Ferroviária sobre o Âncora, também ela da prestigiada Casa Eiffel e, para terminar, não poderíamos deixar de lembrar a majestosa Obra de Arte do engenheiro espanhol, Pelayo Mancebo y Ágreda – a Ponte Internacional Valença – Tui – essa que nos liga à Europa!
Festa de São Frutuoso, fundador do Mosteiro de S. João de Arga
5 de dezembro
Paróquia de S. João de Arga
Diocese de Viana do Castelo
S. Frutuoso
Frutuoso nasceu na região de Bierzo, província de León, de família real visigoda, nos primeiros anos do século VII (600-610). Após o falecimento dos pais, dirigiu-se a Palência para se formar na escola do bispo Conâncio. Regressou depois ao Bierzo, onde se dedicou ao ascetismo anacorético.
Pressionado por muitos dos seus seguidores, fundou entre 639 e 642, o seu primeiro mosteiro, o de Compludo. A este seguir-se-ão muitos outros na Galécia. Uma tradição coloca o nosso Mosteiro de S. João d’ Arga entre os vários fundados pelo autor da “Regula Monachorum”.
Festa do Fundador da “casa”
No dia litúrgico de S. Frutuoso, 5 de dezembro, a Paróquia de S. João de Arga, no arciprestado de Caminha, celebra festivamente o “dia do Fundador”, tendo como o ponto alto a celebração da Eucaristia.
Neste dia é construído o presépio, representando a casa onde Jesus Cristo nascerá no Natal. É também um compromisso das gentes de hoje de reservarem espaço para Deus, já que em Belém de há 2000 anos “não havia lugar para eles”. É um dos actos da festa do fundador desta “casa de Deus” na Serra de Arga: edificar uma casa para Jesus nascer.
Cruz da Evangelização
Em ano pastoral diocesano dedicado aos jovens, o presépio terá uma referência à Cruz da Evangelização entregue pelo Papa João Paulo II ao continente europeu na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 1987, em Buenos Aires (Argentina), que esteve neste Mosteiro no ano 2016, aquando da sua passagem pelas dioceses de Portugal.
Em ano de pandemia não será possível organizar a “frutuosa merenda” que habitualmente é servida no final da missa e que promove o encontro e partilha entre todos. Haverá um dia em que nos reuniremos junto do cesto da merenda: mas não será neste ano de peste!
Veículos autónomos vão trazer melhorias para o ambiente urbano
Se o advento dos veículos autónomos promete melhorar a segurança rodoviária, que consequências terá para a qualidade do ar nas cidades? A alteração do comportamento dos veículos vai trazer uma redução da poluição? Pela primeira vez, um estudo da Universidade de Aveiro dá resposta às questões: sim, os veículos autónomos vão trazer para as cidades um ar menos poluído e, por isso, mais saudável.
No geral, as investigações apontam o aumento da segurança rodoviária como a grande vantagem da tecnologia autónoma nos meios de transporte urbanos. No entanto, há um conjunto de benefícios de âmbito ambiental que têm sido pouco explorados e que se relacionam com a forma como o comportamento do condutor, através do processo de aceleração/desaceleração e travagem, influência o consumo de combustível, as emissões atmosféricas e, em última instância, a qualidade do ar.
E o CESAM, umas das unidades de investigação da UA, já tem respostas. O trabalho coordenado pela investigadora Sandra Rafael, que utilizou modelos de computação em dinâmica de fluidos para prever e conjugar vários cenários (número de veículos elétricos e não elétricos autónomos em circulação, morfologias urbanas, etc.) avança com respostas muito promissoras para a qualidade do ar nas cidades percorridas pelos veículos do futuro.
Considerando uma taxa de integração de veículos autónomos de 30 por cento, os resultados do estudo publicado na revista Science of The Total Environment revelaram uma redução total de 4 por cento das emissões de óxidos de nitrogênio, os gases nocivos à saúde produzidos por veículos com motor de combustão. Destes gases, só em dióxido de azoto, um dos mais perigosos para o ambiente, o estudo revela uma redução de 2 por cento. O mesmo estudo demonstrou que estas reduções serão tanto maiores quanto maior for a taxa de integração dos veículos autónomos das estradas das cidades, chegando a reduções máximas de 7,6 por cento.
Análise semelhante foi realizada considerando que a percentagem de veículos autónomos eram ao mesmo tempo veículos elétricos. Os resultados revelaram uma capacidade significativa de melhoria da qualidade do ar com uma redução média das concentrações de dióxido de azoto em 4 por cento.
Resultados muito promissores
Estes dados, aponta a investigadora Sandra Rafael, “ainda que modestos, são relevantes no contexto de poluição atmosférica em que vivemos”. Apesar da estratégia europeia para a redução das emissões ter conduzido a uma melhoria generalizada da qualidade do ar em toda a Europa, aponta a cientista do Centro de Estudos do Ambiente e do Mara (CESAM) da UA, “a concentração de alguns poluentes atmosféricos, como é o caso do material particulado e do dióxido de azoto, permanecem demasiado elevados em grande parte das cidades europeias”.
O tráfego rodoviário, pedra basilar do atual sistema de mobilidade urbana, é o principal responsável pelas emissões (cerca de 35 por cento) de óxidos de azoto. “Torna-se por isso essencial desenvolver tecnologias que permitam de forma eficiente e sistemática reduzir as emissões associadas a este sector”, aponta Sandra Rafael, cujo estudo aponta os veículos autónomos como um caminho mais verde.
Assinado pelos investigadores do CESAM Sandra Rafael, Luís Correia, Diogo Lopes, Carlos Borrego e Ana Isabel Miranda e pelos investigadores do Centro de Tecnologia Mecânica e Automação, também da UA, Jorge Bandeira, Margarida Coelho e Mário Andrade, o estudo foi desenvolvido no âmbito de um projeto mais abrangente, o InFLOWence.
Coordenado pelo Departamento de Engenharia Mecânica e com participação de investigadores do Departamento de Ambiente e Ordenamento, ambos da UA, o InFLOWence tem como objetivo perceber e otimizar a influência de veículos conectados e autónomos na eficiência ambiental de fluxos de tráfego rodoviário.
Relembrando o Presidente-Rei
No terrível ano de 1917, o que aparentava ser um vulgar golpe de Estado com o objetivo de afastar do poder Afonso Costa depressa se transformou numa experiência política tão insólita como inovadora em Portugal e na Europa.
A chegada de Sidónio Pais ao poder foi fruto das circunstâncias ditadas por um dos períodos mais dramáticos da nossa história do século XX, foi em grande parte uma resposta aos problemas criados pela Grande Guerra. A falta de matérias-primas e géneros de primeira necessidade e o consequente agravamento da inflação provocaram o caos tanto nos países europeus beligerantes como nos neutrais. Sucederam-se quedas de governos. Portugal não foi exceção. Essa pressão das condições provocadas pela guerra e a determinação inabalável da ditadura militar em manter o poder, a qualquer custo, vai adiando o inevitável. Mas será impotente para contrariar a crescente onda de contestação.
Nascido em 1872 em Caminha, Alto-Minho, Sidónio Pais entra com 16 anos para a Escola do Exército onde tirou o curso de Artilharia. Em 1895 já tenente frequenta a Faculdade de Matemática em Coimbra onde será mais tarde catedrático da cadeira de Cálculo Diferencial.
Logo após o 5 de Outubro é senador e faz parte do ministério de Manuel de Arriaga como ministro do Fomento e depois como Ministro das Finanças. Em 1912 é nomeado ministro plenipotenciário em Berlin e assim enquanto representante de Portugal consegue credibilizar o novo regime junto do Governo Alemão.
Ao mesmo tempo vai salvaguardando os interesses de Portugal em Africa, numa altura em que é conhecido o intenso interesse germânico por Angola. Confirmado o sucesso do golpe militar a 8 de Dezembro Sidónio foi surpreendido com banhos de multidão e aclamado como um salvador, numa conjuntura dantesca de fome e epidemia.
As manifestações populares de apoio, numa dimensão sem paralelismo na República, que testemunha de Norte a Sul do país convencem-no da disponibilidade nacional para uma ampla reforma do sistema político. Na mente do novo líder e dos seus colaboradores mais próximos surge o esboço de um novo regime. Uma “Ideia Nova” que ultrapassasse os obstáculos dos partidos republicanos tradicionais e do sistema parlamentar. Sidónio declarou-se ‘chefe de todos os portugueses’, ‘mandatário da nação’ legitimado pela eleição por sufrágio universal, o que acontecia pela primeira vez.
O sistema político, até aí “parlamentarista”, passou a “presidencialista”, à americana, com um Presidente da República que era também chefe do governo. Em Fevereiro de 1918, acumula a chefia do governo, com as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e a presidência da República Nova que se destacou por uma intensa atividade legislativa e administrativa.
Através de um senado profissional em vários domínios da governação em apenas alguns meses implementa de imediato as seguintes medidas. No campo social, um consiste plano para estimular a criação de residências sociais em Lisboa e Porto de forma a institucionalizar as reformas necessárias para melhorar as precárias condições de vida. A faceta mais visível desta política de ajuda aos mais carenciados é a distribuição de alimentos, a conhecida ‘Sopa de Sidónio’.
Com a sua presença nas diversas cozinhas cultiva a imagem de presidente generoso e amigo dos mais desfavorecidos. O seu governo dedica grandes verbas no combate às duas epidemias que atingiam o país – a febre tifoide e a gripe pneumónica. No âmbito do modelo económico sidonista a agricultura passa a ser encarada com sector fundamental traduzindo-se no aumento dos preços agrícolas ate aí mantidos artificialmente baixos, na proibição de exportação de adubos e mais facilidade de acesso ao crédito agrícola. São também desenvolvidas medidas orientadas para elevar a capacidade de produção nacional e travar a especulação sobre produtos de primeira necessidade.
Outras linhas de força da política sidonista é a restituição das relações diplomáticas entre estado e a Igreja Católica. Este regime, assente na figura carismática do presidente, é uma experiência inovadora e que antecipa em diversos aspetos – populismo carismático – a tendência totalitária de vários governos desenvolvidos na Europa durante o período entre as guerras mundiais. Por isso, Benito Mussolini chegou a considerá-lo um das figuras-chave na criação do fascismo.
Na noite de 14 de Dezembro de 1918, dirigia-se para a estação do Rossio a fim de apanhar um comboio para o Porto. Quando a multidão que sempre o esperava o vê surgir, ovaciona-o como sempre. Entretanto a banda da Guarda Nacional Republicana começara a tocar o hino nacional. Sidónio vaidoso, ao ver tamanha multidão terá dito: – “Que quantidade de gente! É então baleado à queima-roupa, por balas vindas de duas direções. Apercebendo-se do sucedido, terá dito: – “Mataram-me! Morro, mas morro bem! Salvem a Pátria…”.
Será mais tarde apelidado de “presidente-rei”, pelo poeta Fernando Pessoa, seu contemporâneo e confesso admirador, numa alusão ao líder carismático escolhido pelo povo para o seu governo.
Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei.
A Vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei! (…)
Flor alta do paul da grei,
Antemanhã da Redenção,
Nele uma hora encarnou el-rei
Dom Sebastião.”
Em apenas um ano de presidência, protagonizou o primeiro momento do republicanismo português e marcou de forma indelével o século XX. Muitas vezes esquecido foi, sem dúvida, um dos políticos mais importantes de Portugal.
Gonçalo Sampaio e Melo
Psicologo/gestor
Nova governação regional, precisa-se.
A Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estabeleceu o estatuto das entidades intermunicipais. Assim, estas entidades correspondem a “associações livres de municípios”, e assumem duas designações: “Comunidade Intermunicipal” e “Área Metropolitana”.
Dez anos antes da promulgação desta Lei, portanto em 2003, eu tinha publicado um texto provocativo com o título “A via de garagem do poder regional?”, note-se o ponto de interrogação.
Assim, eu afirmava então que “a atual administração local é herdeira de um pesado tributo. “Não consegue ainda ultrapassar os atavismos da sua dimensão territorial, apegada às quatro paredes do Concelho”. Decalcada do sistema de administração estatal nacional, pauta-se por “métodos tradicionais, hierárquicos e legalistas”, sendo que esta descrição foi forjada durante o Estado Novo, 1933-1974. Aliás, em consonância com as características de um então “país em desenvolvimento”.
Portanto, não é de admirar o desalento de muitos cidadãos.
Se a organização do Estado compreende a existência de uma administração local (artigo 235º da Constituição) ocupando um lugar de destaque na arquitetura jurídica constitucional, o poder autárquico fixou-se apenas em duas instituições democráticas, entenda-se, as freguesias e os municípios. Nesta questão reside o embaraço do problema do poder local. Pois, falta cumprir a instalação das “Regiões Administrativas” que alguns defendem, nos quais me incluo, e que outros tantos teimam em expurgar da Constituição.
Ora, o que se está a desenhar com a eleição do órgão de direção máxima das Comissões de Coordenação Regional, no passado mês de Outubro, é o reforço do caótico estado da administração do território em lugar de o descomplexar, agilizando a sua gestão e aumentando a representatividade efetiva dos cidadãos-residentes destas “regiões-plano”, porque são apenas e tão só, regiões-plano, não são ainda “autarquias regionais ou regiões administrativas”. A instauração, em 2013, das Comunidades Intermunicipais, e das Áreas Metropolitanas, não veio responder aos problemas das populações e as terras mais afastadas dos centros urbanos mais densos, continuaram a depauperarem-se, a perder população e a deixar fugir as empresas ou a perder atratividade.
Neste ponto, insisto em recordar que em toda a União Europeia, os territórios nacionais decompõem-se em três ou quatro níveis de competências autónomas e não parece que os Estados tenham padecido. Para citar o caso francês, com três níveis de representação política, de baixo para cima, são as “Communes” (Concelhos), os “Départements” (Distritos) e as “Régions” (Regiões). Estas entidades receberam do Estado Central as competências que foram transferidas ao seu nível estatutário. O objetivo principal era a inversão da centralista exagerada do Estado, diminuindo o fardo do centro, em benefício de novas entidades sub-nacionais, democráticas, eleitas diretamente pelos seus habitantes-residentes. Numerosos países seguiram este modelo. Recentemente, a própria Comissão Europeia considerou que esta arquitetura territorial era muito benéfica para as populações, as empresas e os territórios, com contributos mais fortes e resultados mais satisfatórios. Aliás, há bem pouco tempo, esta instituição supranacional apelava aos Estados-membros ainda não regionalizados a seguirem o exemplo.
Volto a reforçar esta ideia. Em Portugal, está na altura do Governo dar início a uma política planeada de desconcentração e transferência de competências e correspondente orçamento em proveito das Regiões Administrativas Constitucionais, com um programa sério de concretização do enunciado constitucional.
Os Distritos foram extintos e as populações ficaram mais pobres. A Comunidade Intermunicipal, que integra os dez Municípios do anterior distrito, não supriu esta falta de integração e visibilidade territorial, pois é uma entidade que representa o somatório dos municípios fundadores, que a constituem, sem representação direta dos cidadãos.
Ora as Regiões Administrativas, legitimadas pela participação efetiva, de todos os residentes na sua área territorial, na eleição dos órgãos políticos, criariam as condições necessárias a um maior desenvolvimento e integração da cidadania regional.
A nova Região administrativa teria dimensão e estatuto político para acolher competências transferidas do Estado central, com resultados maiores em favor do desenvolvimento regional de nível superior, na senda do que estimula a Comissão Europeia.
Todos queremos entidades que promovam o desenvolvimento sustentado, geradoras de mais riqueza, mais bem-estar e fixação das populações e das empresas. Não será este afinal o propósito de qualquer organização territorial?
Arnaldo Ribeiro, mestre em administração pública.
(26.10.20)
Padrões alimentares dos portugueses são insustentáveis
A alimentação pesa 30 por cento na pegada ecológica dos portugueses, mais do que os transportes ou o consumo de energia. A percentagem faz de Portugal o país mediterrânico com a maior pegada alimentar per capita. A conclusão é de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) que deixa o alerta para uma balança muito desequilibrada: “Portugal importa 73 por cento dos alimentos e só o peixe e a carne ocupam cerca de metade do peso da pegada alimentar nacional”.
A Pegada Ecológica nacional, por habitante, é superior à biocapacidade do país ou do próprio planeta, o que siginifica que se todas as pessoas no mundo consumissem como os Portugueses, precisaríamos de 2,3 planetas Terra. 29 por cento dessa pegada diz respeito à alimentação, 20 por cento aos transportes e 10 por cento à habitação.
“A pegada alimentar avalia em hectares globais (gha) a quantidade de recursos naturais que necessitamos para produzir o que comemos num ano. Sabendo que o país tem anualmente um ‘orçamento natural’ de 1,28 gha por habitante [valor de 2016], percebemos que só para nos alimentarmos ‘gastamos’ 1,08gha, ou seja, 84 por cento desse orçamento”, aponta Sara Moreno Pires, professora do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da UA.
Se dependêssemos exclusivamente da biocapacidade de Portugal para nos alimentarmos, refere a coautora do estudo, “ficaríamos com um saldo de 0,20 gha para todas as restantes atividades de consumo [transporte, habitação, energia, vestuário, etc.], se não quiséssemos ter défice ecológico”.
Mas grande parte da biocapacidade necessária para a nossa alimentação provém de outros países, como Espanha, França, Ucrânia ou mesmo China Senegal, o que implica uma pressão e uma dependência desses ecossistemas.
“Portugal é, por esses motivos, o pior país de 15 países do Mediterrâneo no que diz respeito à Pegada Alimentar”, alerta Sara Moreno Pires.
Portugal é o terceiro maior consumidor de pescado do mundo, com cerca de 61,7 quilos consumidos por pessoa em 2017 e 60 por cento da biocapacidade para produzir esse pescado vem de outros países, sendo Espanha um dos parceiros comerciais mais evidente. A elevada intensidade da Pegada Ecológica de peixes como o atum, espadarte e bacalhau (não considerando a Pegada associada ao seu transporte) são outra evidência, que aliados à sua força cultural na alimentação portuguesa, salientam ainda mais o impacto elevado do consumo de peixe na Pegada Alimentar.
Além disso, o estudo identifica uma dependência da biocapacidade de países estrangeiros (como a Espanha, França, Brasil, ou mesmo a China) para produzir recursos alimentares, de modo a satisfazer a procura dos portugueses, sendo as categorias mais dependentes as de “pão e cereais” (em que se importa quase 90 por cento dos hectares globais necessários à sua produção), “açúcar, mel, doces, chocolate, etc.” (com um importação na ordem dos 80 por cento) ou “gorduras alimentares” (com cerca de 73 por cento).
Para além da esperada relação comercial com Países Europeus, o estudo aponta uma dependência de países como Uruguai (na carne), África Ocidental e Senegal (no peixe), EUA (no leite e produtos lácteos), Argentina, Canadá e Brasil (nas gorduras alimentares ou frutos), ou China (nos frutos e nos vegetais).
Políticas locais imprescindíveis
“Urge mudar hábitos alimentares e ter tolerância zero quanto ao desperdício”, sublinha Sara Moreno Pires garantindo que “o papel das políticas públicas é igualmente crítico para promover sistemas alimentares mais sustentáveis, desde a produção agrícola, ao processamento, à distribuição, ao consumo ou ao reaproveitamento dos alimentos, e para envolver todos nesta mudança”.
Dada a relevância de se estruturar e apoiar a governação das cidades em torno de sistemas alimentares mais sustentáveis, por estas desempenharem um papel fundamental na promoção de padrões alimentares resilientes e economicamente prósperos, pela sua proximidade e interação com diversos atores, este estudo identifica um conjunto de pontos fortes e fracos nas políticas de alimentação em seis cidades portuguesas: Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia.
Como importantes contributos dos municípios, o estudo destaca a sensibilização da população para a Pegada Ecológica da alimentação através de Calculadoras Municipais da Pegada Ecológica disponíveis nos websites destas Câmaras Municipais, a promoção de hortas urbanas, hortas sociais e hortas pedagógicas, ou iniciativas inovadoras como o Banco de Terra em Guimarães, através da sua Incubadora de Base Rural, ou a investigação agroalimentar, promovida pelo Município de Castelo Branco em parceria com o CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agroalimentar.
O Município de Vila Nova de Gaia destaca-se por inúmeras ações importantes, desde a divulgação de infografias de sustentabilidade alimentar na plataforma de educação a todos os encarregados de educação, a ações de avaliação do desperdício alimentar nas escolas ou cadernos de encargos para o fornecimento de refeições escolares promotoras da sustentabilidade alimentar. Este município é ainda signatário do Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana, um importante compromisso político assumido por muitos autarcas do mundo inteiro em 2015, para o desenvolvimento de sistemas alimentares baseados nos princípios da sustentabilidade e da justiça social.
Das principais fragilidades identificadas pelos investigadores, a falta de recursos humanos adequados e com conhecimento especializado para trabalharem estas temáticas (com grupos multidisciplinares de profissionais qualificados, de nutricionistas a engenheiros florestais e agrícolas) ou de estruturas municipais para a promoção integrada de uma política de alimentação, são alguns dos fatores mais críticos. Destacam-se ainda o frágil suporte a circuitos agroalimentares curtos, que aproximem os produtores dos consumidores e a produção alimentar periurbana às cidades; a falta de regulamentação que promova compras públicas sustentáveis e a redução do desperdício alimentar; a ainda frágil colaboração entre as autarquias e diferentes setores (produtores, escolas profissionais, terceiro setor, empresas), bem como a falta de um compromisso político forte orientado para políticas alimentares locais. A falta de estratégias alimentares municipais ou de políticas integradas dedicadas à alimentação saudável e sustentável é disso um exemplo.
O estudo mostra que é necessário e urgente investir em mais informação (que identifique e avalie os impactos das iniciativas locais), mais recursos humanos, bem como na capacidade dos governos locais para promoverem sistemas alimentares equitativos, resilientes e sustentáveis. A coordenação entre atores e políticas, sobretudo a nível intermunicipal, ou mesmo nacional (nomeadamente com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) é um passo necessário, bem como a sensibilização de todos os intervenientes na cadeia alimentar (da produção, ao processamento, distribuição, consumo e resíduos) para a mudança de comportamentos, de forma permitir um olhar renovado sobre como os sistemas alimentares se podem tornar mais sustentáveis em Portugal.
Aves marinhas fortemente afetadas por lixo da pesca
Aves marinhas fortemente afetadas por lixo da pesca
O lixo marinho, principalmente o material descartado ou perdido com origem em atividades piscatórias, tem consequências severas para a conservação das aves marinhas. O alerta é de um grupo de biólogos da Universidade de Aveiro (UA) que, durante dez anos, estudou as causas que levaram milhares de aves feridas ou mortas até ao centro de reabilitação de animais marinhos que atua na costa centro de Portugal.
Durante o período de estudo (2008-2018) foram analisadas as 2918 aves marinhas de 32 espécies que deram entrada no Centro de Reabilitação de Animais Marinhos do ECOMARE. Entre as causas de admissão das aves – entre elas, captura acidental, trauma, emaciação, doença ou intoxicação – quase 6,9 por cento (201 aves) traziam sinais de emaranhamento. Destas, 82 por cento dos casos referem-se a materiais relacionados com a pesca como anzóis, linhas e redes.
Mas os números estão muito aquém da realidade. “Como só conseguimos contabilizar os animais emaranhados que conseguiram dar à costa ou sobreviveram o tempo suficiente para chegar à costa, o problema está consideravelmente subestimado”, aponta Rute Costa, bióloga do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, uma das unidades de investigação da UA.
“Não nos é possível quantificar o número exato de aves enredadas na costa centro, muito menos no total da costa nacional, mas podemos dizer que será certamente muito superior aos 6.9 por cento (201 aves) apresentado no estudo”, garante a coordenadora da investigação.
O cenário, garantem os investigadores, é “preocupante”. Rute Costa aponta que “os valores apresentados neste estudo mostram claramente o impacto deste tipo de lixo nas aves marinhas e a importância para que o cenário encontrado seja modificado”.
Para diminuir o número de aves afetadas, nomeadamente pelos materiais usados pelos pescadores, aconselha, “é necessária mais fiscalização por parte das autoridades”. Além disso, acrescenta, “devem ser feitos mais esforços na consciencialização de pescadores principalmente para que os materiais particularmente perigosos, como resíduos de equipamentos de pesca, sejam eliminados de forma segura”.
O Dia Mundial do Tabaco celebra-se anualmente no dia 31 de maio
O Dia Mundial do Tabaco celebra-se anualmente no dia 31 de maio.
Desde da sua primeira descrição no século XVI, houve uma evolução muito grande na área do tabagismo e, hoje, representa um dos mais importantes problemas de saúde pública a nível mundial.
O tabaco é constituído por mais de quatro mil substâncias, sendo que algumas apresentam efeitos tóxicos, irritantes e também cancerígenos.
Existem diversas formas de fumar, desde dos cigarros convencionais, cigarrilhas e charutos, até ao cigarro eletrónico e o tabaco aquecido, que são as formas mais recentes de tabagismo e cada vez mais populares, nomeadamente nos mais jovens.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, o tabagismo é responsável por um grande número de doenças, com particular destaque para o cancro em diferentes localizações, para as doenças crónicas do aparelho respiratório, cardiovascular e do sistema reprodutor.
A iniciação do consumo de tabaco é um grave problema de saúde infantil e juvenil. Estima-se que 10 % dos adolescentes entre os 11 e 18 anos experimentaram o cigarro eletrónico, pelo menos uma vez. Dos jovens que iniciam o consumo, considera-se que mais de um terço irá continuar a fumar ao longo da vida adulta, comprometendo assim a sua saúde.
No que concerne a mortalidade atribuível ao tabaco, estima-se que 13000 pessoas morreram do tabaco em 2017 (seja qual for a forma de fumar!).
Assim, torna-se fundamental impedir que as gerações mais jovens iniciem o consumo de tabaco para prevenir o aumento da carga atribuível ao tabagismo, nomeadamente, em termos de doença, incapacidade, mortalidade prematura, mas também em gastos em tratamentos e serviços de saúde e suas consequências a nível da sociedade.
O cigarro eletrónico e o tabaco aquecido têm sido usados de forma errada e sem evidência científica, como métodos alternativos para deixar de fumar. Pelo contrário, estima-se a que os adolescentes que iniciam este tipo de consumo, têm uma probabilidade SETE vezes maior de fumar cigarros convencionais, ao longo da vida.
Em maio de 2019, a SPP, em conjunto com outras 10 sociedades científicas internacionais, publicou uma declaração sobre a não recomendação do consumo de tabaco através de dispositivos eletrónicos libertadores de nicotina, para a cessação tabágica.
Para os fumadores que apresentam maior dificuldade em deixar de fumar, a cessação tabágica pode ser auxiliada através de aconselhamento psicológico, tratamento farmacológico e deve ser baseada em ar limpo de forma a promover uma saúde respiratória!
Realça-se que o abandono definitivo do tabaco antes dos 40 anos reduz em mais de 90% os riscos para a saúde que lhe estão associados.
Um comentário final é necessário perante as notícias recentes e a fase de desconfinamento em que a população portuguesa se encontra, sendo que o mesmo pretende reforçar a recente mensagem divulgada pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Apesar do impacto do tabagismo e a sua “relação” na transmissão e na morbimortalidade da doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 ainda não se encontrar bem esclarecidos; sabe-se que o contacto mão-boca e mão-face realizado pelos fumadores constitui uma fonte de infeção reconhecida. Neste mesmo sentido, o uso de cigarros eletrónicos representa um risco para transmissão do SARS-CoV-2 (COVID-19), pois ao vapear o fumador exala gotículas de vapor, que podem transportar o vírus.
Assim, se estiver a fumar em locais públicos, respeite sempre as distanciais de segurança e não fume quando estiver na presença de não fumadores. É fundamental seguir as recomendações disponibilizadas pela Direção-Geral de Saúde.
Por fim, lembre-se que o facto de deixar de fumar tem benefícios em qualquer idade e em qualquer altura para Si e para os Seus!
Portanto, se quiser deixar de fumar, fale com os seus amigos e a sua família e procure ajuda de um Profissional de Saúde.
A procura do elixir da longa vida embrenhou povos, civilizações e culturas...
A procura do elixir da longa vida embrenhou povos, civilizações e culturas na densa floresta da alquimia que, na ávida procura da eterna juventude, buscaram a árvore da verdade que encontraram na raiz da morte combinando elementos que, por mero acaso, trouxeram um porvir que, a partir dos século X, vem confirmando a omnipresença da sua sombra, não deixando qualquer réstia de Humanidade. Foi assim que, desde o início da era Cristã, a sorte ou o azar colocaram nas mãos dos chineses uma invenção que usaram, primeiro, para fins pirotécnicos e, nove séculos depois, para finalidades bélicas sob a forma de foguetes e bombas explosivas, lançadas com recurso a catapultas. Do oriente, os seus efeitos atingiram o ocidente!
Os trons, a que se refere Fernão Lopes na sua crónica de D. João I, correspondem ao troar de canhões que, no campo da batalha decisiva, ajudaram a escrever a vitória que assegurou a consolidação da independência de Portugal, que mais uma vez teve de se erguer em armas contra Castela porque o clero e a nobreza não queriam perder os seus privilégios! Os anos foram passando, os séculos foram dobrando e a arte da guerra arrefeceu alfagemes para industriar armeiros que usaram o seu engenho para aprimorar pistolas e espingardas, fuzis e pederneiras que cuspiam fogo graças à ignição da pólvora que, após se armar o cão, percutia invólucro que fazia expelir pelo cano projéctil a que também se chama bala.
Barata a bala, fácil a arma. O dispositivo só funciona quando todos os elementos, concebidos para matar, se encontram presentes, incluindo a peça final para premir o gatilho e acionar o percutor: o bicho homem, único animal que não mata para se alimentar, mas apenas para derrubar o seu semelhante!
Desde o século X, do oriente ao ocidente, os campos de batalha ficaram ainda mais vermelhos com o sangue dos inocentes, derramado em palcos de guerra mais ou menos convencionais, nos conflitos regionais, nas guerras de dimensão mundial, em massacres de etnias, em genocídio de povos, nas limpezas étnicas, nas atrocidades rácicas, em barbáries gratuitas. Mais recentemente, em execuções sumárias testemunhadas pela frieza das televisões, pela inércia de presentes que foram os mais ausentes, pelo que em vez de agirem demoraram bastante a reagir. Assim se apunhalam as costas da Humanidade!
O desígnio da paz encontra-se, há muito tempo, capturado pela demagogia política e pela retórica ideológica que encobriu ações que purgaram sombras, que nunca encontraram o sol dos exílios dourados, apenas porque os ditames do medo as viam como ameaças ao poder ditatorial que, sob a aparência de democracia popular e a ilusão da bandeira da paz, se transformaram nos maiores carniceiros da Humanidade. Uma espiral de violência, que nasce de sementes de ódio, gera ainda mais violência!
Barata a bala, o elemento mais pequeno de uma engrenagem que, sendo globalmente mais dispendiosa, para pouco ou nada serve sem o projétil projectado por cano espiralado para atingir velocidade e alcance verdadeiramente surpreendentes, tornando ainda mais letais armas de guerra sofisticadas que, nalguns países, se podem adquirir ao virar da esquina, ao alcance de qualquer bolsa. Filhos e filhas perdidos nos jogos de guerra que alimentam a propaganda que os faz acreditar que quando tiram a vida a crianças inocentes, ou ceifam populações indefesas, estão a lutar pela Pátria, que também poderia ser Mátria, mesmo que por preguiça, ou cómoda ignorância, desconheçam os significados de ambas. Sem conversa, sem pensamento, apenas dispara e corre!…
Derrubam-se estátuas de mercadores de escravos que, mesmo naufragando, não apagarão as marcas da discriminação que os estatuados deixaram naqueles que foram escravizados pelo seu semelhante, independentemente da cor da pele, crenças ou etnia. A sociedade esclavagista não deixará de existir apenas porque ódios antigos se encontravam adormecidos, e tiveram um despertar violento, pois a onda de racismo continua a encapelar a maré que não será fácil de virar. Violência gera mais violência! Intolerância cria ainda mais intolerância! Pode-se derrubar uma estátua, mas não se conseguirá colocar borrão sobre as páginas da História que anunciaram um novo tempo para a globalização se revelar, através das trocas comerciais e das permutas intercontinentais. Mesmo que o acaso tenha levado o navegador para o novo mundo e a sua teimosia o situasse nas Índias orientais!…
Muita gente tem sido, entretanto, baptizada no preconceito, que é confirmado no ódio e ordenado na violência! Somos quase todos filhos do mundo moderno, gerados pelos meios de comunicação de massas, dados à luz pela TV… Enchem os nossos ouvidos com os disparos e os gritos da guerra. Sobrecarregam os nossos olhos com imagens de violência. Sejam balas reais, ou balas de borracha, sente-se o ar impregnado de cheiros a pólvoras e a gases, em ecos de manifestações aparentes, que transformam ruas, praças e avenidas em campos de batalha, onde todos os excessos acontecem de ambos os lados da barricada. As mentalidades não mudam enquanto a cultura da violência gratuita não evoluir e os barcos negreiros continuarem a sulcar memórias, que não zarparam de instalações litorais, onde se encurralavam seres humanos em jaulas como se fossem animais, para os amontoarem em porões imundos a caminho do novo mundo…mas não se pode passar para o outro extremo, ao considerar que os descendentes dos mercadores de escravos negros devam ser responsabilizados por atos alheios, o mesmo se diga dos colonizadores, dos colonialistas, dos governos que prosperaram com o tráfico negreiro.
Provavelmente, cada estátua que existe desperta sentimentos e reacções que levantam diferenças de pessoa para pessoa. Talvez nenhuma possa resistir à diferença de opinião, pois cada estatuado terá o seu lado lunar e a sua feição solar. Haverá sempre um pretexto para derrubar, pois o que para uns é um herói para outros não passa de facínora, aquele que para muitos realizou óptimas coisas, para alguns só fez coisas péssimas…e vice-versa!
Vulto proeminente da cultura portuguesa, António Vieira, frade jesuíta ao serviço da missão de evangelizar os gentios, ergueu-se contra os colonizadores que não respeitavam os direitos dos indígenas das terras de Vera Cruz, os únicos que se podem dizer de raiz brasileira, pois os outros resultam de um cadinho que fundiu etnias numa miscigenação que marca o Brasil de hoje. Considerou ainda absurda a distinção de judeus convertidos forçadamente ao cristianismo, enfrentando os agentes do santo ofício, o que lhe valeu perseguição que justificou refúgio na cidade eterna e proteção papal. Faltou-lhe uma atitude mais ousada para condenar abertamente o tráfico negreiro, o que por si só parece justificar a profanação de uma das estátuas que lhe ergueram em Lisboa. Derruba-se, até por uma pequena diferença de opinião!
Barata a bala que larga tinta, fácil a arma do populismo que profana a História, alimentando-se de ignorância e dessedentando-se no obscurantismo e na intolerância. O ódio encerrou-se num círculo difícil de quebrar. A Humanidade perdeu o ponto de equilíbrio que mitiga extremos!