“Cortejo da Festa de Chafé foi sublime, soberbo e espetacular!”

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Um dos pontos altos da romaria em Honra de Nossa Senhora do Alívio e Nossa Senhora dos Milagres, em Chafé, foi o Cortejo Etnográfico de tradições, usos e costumes. O evento contou com a participação de 21 carros e foi distribuído em 13 grandes temas: o Mar, a Horticultura, o Milho, o Moinho, a Azenha, o Pão, as Vindimas, a Matança do Porco, o Leite, o Monte, a Caça, a Festa e os Bordados.

Passavam poucos minutos das 17 horas quando os seis grupos de bombos que integraram o Cortejo deste ano da freguesia de Chafé começaram a anunciar que o desfile já estava em andamento. O primeiro carro era o do Cartaz das Festas, seguindo-se o do Mar, tema principal deste ano. O senhor Silva, de 45 anos, foi um dos representantes.

“Nós aqui somos da Tasca do Abelheira, uma tasca de pescadores. Jogamos às cartas, atamos as redes… À nossa frente vão quatro homens a segurar uma jangada de madeira e também as sargaceiras e os sargaceiros, que eram os responsáveis pela apanha do sargaço. O sargaço servia essencialmente para adubar a terra. Ele fica no areal, quando a maré desce, e eles apanhavam-no e levavam-no numa carroça de bois. Depois metiam-no a secar e só assim é que ele ficava pronto para adubar”, explicou.

Logo de seguida, foi exibido o quadro da Horticultura, uma iniciativa desenvolvida por Rosa Maria Cruz, de 67 anos. “Participo no cortejo desde que ele começou, há quase 20 anos. Nós somos muito bairristas e eu gosto muito disto”, assumiu. “Este carro mostra o campo, a horticultura, os legumes que iam para o mercado. Além disso, temos também connosco o Grupo de Concertinas Amigos da Borga de Chafé e vamos distribuir pataniscas, presunto, chouriço, tremoços, broa e biscoitos ao povo”, revelou.

Maria de Lurdes, de 74 anos, foi uma das representantes do tema seguinte, o do Milho. “Este carro mostra a limpeza do milho e a meda de palha, que é o alimento dos animais no inverno. A palha aqui já não tem espiga, porque foi desfolhada naquele carro da frente, que é onde se retiram as espigas e se malham as mesmas”, informou.

O Moinho, com as mulheres que carregavam sacos de farinha à cabeça, a Azenha, representada pelo Grupo Recreativo de Chafé, e o Pão foram os temas que se seguiram no desfile.

“Participo sempre nas festas de Chafé. Comecei há cerca de dez anos, porque os meus pais costumavam fazer este carro, e neste ano, como a minha mãe tem muitos problemas de saúde, entregou esta atividade a mim e à minha irmã. É uma tradição familiar”, contou Sandra Vaz, de 45 anos, uma das representantes do quadro dedicado ao pão.

“O que mostramos aqui é a cozedura do pão, como era feito antigamente, e dá-lo às pessoas, assim como vinho e chouriço. Para fazer o pão, era utilizada farinha, água e sal. Os materiais utilizados eram as gamelas, a pá, a masseira, a peneira… A diferença em relação à azenha é que a azenha servia para moer a farinha. Depois a farinha vinha, era peneirada pela peneira, amassada, ficava a levedar e depois transportava-se a massa para as gamelas que ajudavam a dar forma e metia-se no forno”, esclareceu.

Cristiano Lima, no carro seguinte, tem 46 anos e é representante da Casa da Reina, localizada na estrada velha, em Chafé. Participa no Cortejo desde os seus primórdios, na fase inicial dos anos 2000, e dedica-se ao turismo rural associado à produção de vinho e ao enoturismo, com visitas à adega, provas e degustação dos produtos locais. “No fundo, pretendemos mostrar um pouco daquilo que é feito na terra, ao longo do ano. A vindima é o culminar de um ano de trabalho. Como estamos na região dos vinhos verdes, produzimos brancos, essencialmente. A casta Loureiro, Trajadura, Arinto e o Alvarinho. Estamos em modo de produção biológico e produzimos uma média de 5 mil a 6 mil litros por ano”, revelou.

Depois das vindimas, veio a matança do porco. “Nós trazemos o porco pendurado, para demonstração, e depois vamos oferecendo um bocadinho ao povo. E vamos mostrar também todas as armas utilizadas na matança”, disse Maria da Conceição Faria, de 66 anos. É natural de Chafé e já é uma figura habitual no Cortejo da freguesia, onde participa com “um grupo de cerca de 15 amigos”.

O quadro do “Leite”, sob a responsabilidade de João Lima, de 51 anos, foi o tema que se seguiu. “Os meus pais tinham uma grande exploração de produção de leite e um posto de recolha. Antigamente, as pessoas tinham as vacas em casa, ordenhavam-nas manualmente e depois uma senhora ia buscar o leite com um carrinho e levava-o para uma fábrica em Alvarães ou para o posto do leite. Entretanto, as pessoas deixaram de tirar o leite em casa e criaram-se as salas de ordenha. A nossa foi a primeira. As pessoas levavam as vacas para esse posto já mecanizado, só que, entretanto, infelizmente, isso já terminou devido à falta de apoios à agricultura e à produção de leite. Nós fomos os primeiros a começar e os últimos a terminar aqui nesta região”, recordou, com alguma nostalgia. João Lima acrescentou ainda que a sua família foi a primeira a ter um trator para aquele tipo de trabalho, ainda em 1977, já lá vão 45 anos. “Foi comprado em Braga. Na altura tínhamos 50 ou 60 animais para produção de leite”, contou.

O Monte e a Caça foram os quadros que se sucederam. “A caça não é só matar, como muitas pessoas pensam. Nós também fazemos outras atividades como sementeiras, alimentação da fauna, limpeza da floresta, limpeza da ribeira… Tudo isto está incluído no termo caça. Nós não somos assassinos”, começou por explicar Adão Quesado, de 55 anos. Faz parte da Associação de Caça de Vila Nova de Anha e, juntamente com um colega, quis mostrar o outro lado de uma atividade que, segundo ele, ainda não é bem compreendida pelas pessoas. “Não é só destruir. Nós também construímos. Este ano, por exemplo, limpámos toda a ribeira de Anha… E isto nem toda a gente sabe. É que para caçar, para quem não é caçador, todos vêm, mas para estas atividades, que também são caça, ninguém vem. Mas é isto que um caçador faz”, revelou.

Por fim, num Cortejo que teve uma duração de aproximadamente duas horas, foram apresentados os quadros da Festa, com a mordomia, o batizado e os emigrantes, e também dos Bordados. 

Licínia Amorim, de 42 anos, participou a sua experiência familiar de emigração com a população. “Vamos neste Carocha, com todos estes adornos em cima do carro, porque é alusivo aos tempos antigos. Antigamente, quando vinham para Portugal, as pessoas traziam as malas em cima dos carros. O meu pai esteve sempre fora. Ele era marinheiro dos grandes barcos de pesca e por isso andou pelo mundo todo. Por vezes, estava fora cerca de seis meses. Foi ao Canadá, às Maldivas… Chama-se Zeferino Amorim e tem 74 anos”, indicou. “Estão aqui também a minha irmã, a minha mãe e a minha filha. Os meus avós também foram emigrantes… Já crescemos com todo este historial”, acrescentou.

Um dos últimos carros em exibição teve Paula Ribeiro como responsável. Natural de São Romão de Neiva, esta educadora de infância de 46 anos já se deixou encantar pelas tradições da freguesia.

“Já é a oitava ou nona vez em que participo. Sou educadora de infância no Jardim de Infância de Chafé e todos os anos levamos um carro com crianças. Eu sou a responsável por esse carro. Tanto na decoração como na manutenção do cortejo. Não se trata de uma tradição familiar, até porque a minha freguesia não tem tradições a esse nível. Mas adotei a tradição de Chafé e estou a gostar muito”, confessou.

Depois, falou um pouco sobre o traje que levou vestido. “Nós somos um grupo de quatro colegas, todas funcionárias no Jardim de Infância, e temos aqui vários tipos de traje. O meu é o mais antigo. É baseado num traje de 1912, de vianesa ou de lavradeira. O vermelho. Os das minhas colegas são mais recentes, ali de 1960 ou 1970. São muitos mais trabalhados. O meu é constituído por uma saia cuja barra não é bordada, o colete é muito mais simples do que o delas. A blusa delas é bordada a azul-escuro, enquanto a minha é um bordado extremamente simples e branco. Temos também a algibeira, que é obrigatória, e o ouro”, explicou.

Rigorosa, admitiu ainda que, se é para trajar, tem de se trajar devidamente. “Uma coisa é a vaidade, outra coisa é a chieira. E se há chieira, há que trajar como deve ser”, concluiu.

O 14.º Cortejo Etnográfico de tradições, usos e costumes de Chafé terminou com o carro Havemos de Ir a Viana, através do qual foi entoado o tema interpretado pela falecida fadista Amália Rodrigues; a Banda de Música da Associação Musical de Vila Nova de Anha e, por último o carro dos Trajes.

ALTO MINHO Nº 1603 – 14 de SETEMBRO DE 2022