O Intruso Silencioso: O que se Esconde no Quarto ao Lado Pode Ser um Cancro da Mama

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Imagine o seu corpo como uma casa.

Uma casa que conhece bem — onde tudo parece no lugar certo.

Mas e se, um dia, um intruso silencioso se escondesse num quarto pouco usado, sem deixar rasto? Sem arrombar portas. Sem barulho. Sem sintomas.
Este intruso chama-se cancro da mama.
E quando é descoberto tardiamente, já saiu do quarto e tomou conta da casa inteira.

É por isso que o rastreio precoce não é apenas um ato clínico. É um gesto de proteção, um investimento pessoal e coletivo na vida e na qualidade de vida das mulheres.

 

O que dizem as diretrizes mais recentes?
As recomendações para o rastreio do cancro da mama na população em geral, sem antecedentes familiares ou genéticos conhecidos, variam ligeiramente entre as principais sociedades científicas norte-americanas e europeias.

O American College of Radiology (ACR) e a Society of Breast Imaging (SBI) recomendam iniciar o rastreio aos 40 anos, com mamografias anuais, sem limite de idade superior fixo, desde que o estado de saúde o permita [1].
– A U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda mamografia bienal entre os 40 e os 74 anos, com base em nova evidência de benefício nessa faixa etária [2].
– A European Society of Breast Imaging (EUSOBI) e a European Society of Radiology (ESR) recomendam rastreio mamográfico bienal entre os 50 e os 69 anos, podendo este ser estendido até aos 73–75 anos. O rastreio entre os 40 e os 49 anos pode ser considerado, especialmente com periodicidade anual ou bienal, consoante os recursos e preferências [3].

Em mulheres com mamas densas (BI-RADS C ou D), a EUSOBI recomenda que sejam informadas sobre o impacto da densidade mamária na sensibilidade da mamografia e que considerem exames complementares como ecografia, CESM ou ressonância magnética, mesmo sem fatores de risco adicionais [3].

Em situações de risco genético elevado (por exemplo, mutações BRCA1 ou BRCA2), a ACR e EUSOBI recomendam iniciar rastreio por volta dos 25 a 30 anos, com ressonância magnética anual e mamografia intercalada [1,3].

 

Realidade do cancro da mama em Portugal 

Todos os anos são detetados cerca de 9 000 novos casos de cancro da mama em Portugal.

Representa cerca de 11,6 % de todos os diagnósticos de cancro no país.

O cancro da mama é o mais frequente nas mulheres portuguesas e a principal causa de morte por cancro no sexo feminino.

Mais de 2 000 mulheres morrem anualmente devido a esta doença.

 

O rastreio regular é essencial para a deteção precoce, permitindo tratamentos menos agressivos e com maior taxa de sucesso. 

A taxa de sobrevivência a 5 anos é superior a 85 %, e está entre os melhores resultados da Europa.

 

Programa Nacional de Rastreio do Cancro da Mama 

Portugal tem um programa organizado de rastreio do cancro da mama desde os anos 90, coordenado pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), em articulação com o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Desde 2025, o programa está a ser alargado às mulheres com idade entre os 45 e os 74 anos, seguindo as novas orientações europeias e realiza-se de dois em dois anos, através de mamografia.

Entre 1990 e 2024, foram realizadas mais de 6 milhões de mamografias e identificadas cerca de 36 000 mulheres com lesões suspeitas, que foram encaminhadas para avaliação médica.

 

O rastreio salva vidas — e também qualidade de vida

Redução de até 40% na mortalidade por cancro da mama.
Diagnósticos mais precoces significam cirurgias menos invasivas e menores taxas de quimioterapia.
Quando diagnosticado no estadio 0 ou I, o cancro da mama tem taxas de cura superiores a 95%.

 

A Imagiologia mamária está mais sofisticada do que nunca

  • Mamografia digital com Tomossíntese: Aumenta sensibilidade em mamas densas e na deteção de microcalcificações e reduz falsos positivos e biópsias desnecessárias.
  • Mamografia com Contraste Endovenoso (CESM): Técnica inovadora que combina produto de contraste endovenoso com mamografia digital, indicada para mulheres com mamas densas ou em casos com dúvidas diagnósticas após mamografia convencional.
  • Ecografia Mamária: Método complementar à mamografia. Ideal em mulheres jovens ou gestantes. Útil na caracterização de nódulos não visíveis na mamografia.
  • Ressonância Magnética Mamária (RM): Elevada sensibilidade (>95%) na deteção precoce do cancro da mama. É o exame de referência no rastreio de mulheres com risco genético elevado.
    Útil também em mulheres com mamas densas ou para avaliação da extensão do tumor e resposta à terapêutica.

 

Autoexame e toque clínico: ainda têm o seu lugar?

Têm — mas como complemento.

O autoexame mensal permite à mulher conhecer melhor o seu corpo e detetar alterações. Já o exame clínico por profissionais continua relevante, especialmente em contextos com menor acesso à imagiologia.

O rastreio é mais que prevenção — é oportunidade

Detetar o cancro da mama precocemente é curar mais, tratar menos e viver melhor.
A ciência está do lado da mulher. A tecnologia também. Agora é preciso que cada mulher esteja do lado de si mesma.
Porque o cancro da mama pode entrar devagar, silencioso — o rastreio é a luz que se acende antes do susto.
Não espere pelo alarme. Entre no quarto escuro. Veja antes. Viva mais.

 

Referências
1. American College of Radiology (ACR); Society of Breast Imaging (SBI). ACR and SBI continue to recommend annual breast cancer screening starting at age 40. ACR.org. 2024.
2. U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF). Breast Cancer: Screening Recommendation Statement. JAMA. 2023;329(20):1740–1749.
3. EUSOBI Recommendations for Breast Cancer Screening 2023. European Society of Breast Imaging; European Society of Radiology. Insights Imaging. 2023.

 

 

 

Prof. Dr. Paulo Brandão (Ordem dos Médicos nº 31848), Diretor do Departamento de Imagiologia do Hospital da Luz Clínica de Cerveira e Póvoa de Varzim.

Dr.ª Cândida Ventoso Castineira (Ordem dos Médicos nº 38616), Radiologista no Departamento de Imagiologia do Hospital da Luz Clínica de Cerveira.

 

 

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