“Francisco Abreu Lima tinha um amor enorme a Ponte de Lima”

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Ponte de Lima está de luto com a perda de uma das suas personalidades mais emblemáticas. Francisco Abreu Lima, que foi presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima entre 1986 e 1990, faleceu aos 92 anos e a Câmara Municipal decretou dois dias de luto municipal. 

Recorde, com detalhe, o percurso de Francisco Abreu Lima na sua última grande entrevista ao Semanário Alto Minho em janeiro de 2010. 

Francisco Abreu Lima: “Tinha projectos muito interessantes para Ponte de Lima”

Francisco Maia Abreu Lima, de 74 anos, dirigiu os destinos do concelho de Ponte de Lima entre os anos de 1986 e 1990, enquanto presidente da Câmara. Mas a sua vida profissional fica marcada pelos anos em que secretariou o Gabinete do Ministro da Economia na década de 60.

Entrevista: Lúcia Soares Pereira 

Em 1935 nasceu “à moda antiga”, como frisa, na Casa do Antepaço, em Arcozelo, Ponte de Lima, local onde foi criado pelos pais até aos nove anos, gozando aí a sua meninice que considera “magnífica”. “Os meus pais davam-me muita liberdade e eu andava muito com esta garotada”, comenta.

 “Andei sempre com o pessoal da além da ponte. Íamos às uvas, jogávamos à bola no Arnado, usava tabuinhas, tomava banho no rio, era uma borga”, relembra Francisco Maia Abreu Lima, sublinhando o gosto que tem pela sua terra, “veneno” que diz, orgulhoso, ter incutido nos filhos e nos netos.

Completou os dois primeiros anos de instrução primária em Ponte de Lima, mas a sua família mudou-se para Coimbra, onde o irmão mais velho iria frequentar a universidade e o irmão do meio iria para o liceu. “No liceu foi aí que consegui realmente as bases daquilo que sou hoje, sob o ponto de vista cultural, social, escolar”, afirma.

Foi no liceu que teve como amigo de turma e “de peito” José Afonso, mais conhecido como Zeca Afonso. “Ele morava perto de mim e passávamos horas juntos, para além de estarmos sempre juntos nas aulas. Tenho do Zeca Afonso uma imagem que ninguém tem e conheço dele facetas que ninguém conhece, porque lidei com ele diariamente durante sete anos”, regista.

Entretanto, os seus pais regressaram à terra e Francisco Abreu Lima ficou em Coimbra, formando-se, anos mais tarde, em Direito.

Foi durante o período universitário que surgiu a “intervenção política” e, por isso, comenta, foi “um aluno mediano”, já que “tinha muitas coisas laterais aos estudos”

Ainda a frequentar o quinto ano do Curso de Direito, Francisco Abreu Lima decidiu ir para Lisboa para arranjar emprego, juntamente com dois amigos. “Empreguei-me no Ministério da Economia, onde comecei pelo escalão mais baixo da Função Pública. Tão baixo que hoje já não há esse lugar. Era escritorário de 2ª classe. Acabei o curso no Ministério da Economia mas depois já mais ligado ao contencioso. Assim que me formei, fiquei logo no contencioso. Entretanto casei e lá continuei por Lisboa”, revela.

Quando estava em Madrid a tirar um curso de aperfeiçoamento jurídico sobre emparcelamento da propriedade rústica recebeu um telefonema de um amigo que tinha sido nomeado há poucos dias chefe do gabinete do ministro a convidá-lo para secretariar o gabinete. 

“Hesitei muito, mas a minha mulher que já estava muito ansiosa que eu viesse entusiasmou-me e regressei e entrei como secretário desse gabinete onde estive 10 anos, que foram tormentosos”, conta o ex-presidente da Câmara de Ponte de Lima, considerando que foi um “trabalho extenuante”. 

Na altura teve dois filhos e comenta que “durante vários anos” praticamente não viu os filhos devido ao horário . “Mas devo dizer que tirando esse aspecto, foram anos profundamente gratificantes, fiz amigos magníficos, tive contactos fantásticos, cultivei imensas amizades e realizei-me profissionalmente. Hoje, feitas as contas, chego à conclusão que esses dez anos foram determinantes na minha vida”, defende.

Francisco Abreu Lima sempre exerceu funções ligadas ao Ministério da Economia, foi dirigente de várias instituições como Caixa de Previdência, Serviços Sociais, trabalhou no sindicato, na Federação das Caixas de Previdência, fez também as vezes do Secretário-Geral do Instituto Superior de Economia, foi presidente da Caixa de Jornalistas e mais tarde foi director administrativo de uma empresa de produtos químicos e fertilizantes e também presidente da Segurança Social no distrito de Viana do Castelo. “Tive uma vida muito diversificada, trabalhei em muitas coisas”, reitera.

Em 1974, altura do “25 de Abril”, Francisco Abreu Lima recorda que viveu “complicações terríveis”, tendo sido “saneado” do lugar que ocupava então.

Em 1986, numa das visitas que fez a Ponte de Lima foi desafiado por um grupo para se candidatar à Câmara Municipal limiana, substituindo o seu irmão João Abreu Lima. “Reagi negativamente e disse terminantemente que não. Fui embora para Lisboa convencido de que a coisa estava arrumada”, disse. Porém, o grupo continuou a insistir e “tocou no ponto fraco de falar com uma das filhas”. 

“De repente tive uma espécie de clique e pensei: Por que é que não hei-de fazer qualquer coisa para a minha terra, de que gosto imenso?”, explica, acrescentando que depois de reflectir resolveu aceitar o desafio e vir para Ponte de Lima.

Francisco Abreu Lima foi eleito, independente pelas listas do CDS-PP, presidente da autarquia de 1986 a 1990. “Embrenhei-me de tal maneira no trabalho camarário, empenhei-me de tal maneira nos interesses do concelho, enamorei-me ainda mais pela minha terra que estive aqui os dois primeiros anos praticamente sem a família”, assinala. 

Levantava-se cedo e quando chegava à Câmara ainda encontrava as empregadas de limpeza, recebendo todas as pessoas que lá se dirigiam para falar com ele. “Conheço hoje o concelho como as minhas mãos e nos quatro anos que estive na Câmara só não recebi uma vez uma pessoa, porque eu ia a sair para algo”, afiança.

Francisco Abreu Lima sustenta que se dedicou de “alma e coração” à autarquia, mas compreendeu que em quatro anos “não se consegue fazer quase nada”. “Tinha projectos para além de quatro anos e quando estava a terminar o mandato vi que não me queriam recandidatar. Eu tinha muito gosto em fazer mais um mandato na Câmara. Recandidatei-me como independente pelo PSD e hoje à distância considero que foi um disparate”, vinca.

“Talvez o meu gosto em continuar não justificasse esta mudança. Na altura não hesitei. Não foi uma adesão ao PSD nem uma traição ao CDS, porque eu era independente. Tinha projectos interessantíssimos para Ponte de Lima e, portanto, a única maneira de os concretizar levou-me a isso. Talvez tenha sido um erro, mas paciência, a vida é assim. Mas não estou arrependido”, assegura. Foi vereador e depois ainda voltou a candidatar-se à presidência pelo PSD. 

Considera que Daniel Campelo foi um “excelente presidente da Câmara” e que fez “coisas muitíssimo bem feitas”. “Mas aquilo que ele fez gostava de ter sido eu a fazer”, conta. Mas o facto de ter perdido as eleições também é atribuído a uma decisão “polémica e corajosa” que tomou, quando decidiu fechar a Ponte Medieval ao trânsito, a poucos meses da campanha eleitoral. “Foi uma decisão tão polémica que perdi as eleições. Eu dizia que a ponte não podia ter trânsito, teimei e perdi as eleições”, garante, “convencido” de que os benefícios que a população usufrui hoje valeram a pena a decisão.

Foi eleito membro da Assembleia Municipal, mas saiu por sentir que estava a causar “desunião” no seio do grupo social-democrata, pois por duas vezes votou contra o sentido de voto do PSD. “Começa a gerar-se a ideia de que não há unanimidade no grupo e que essa fractura era feita por uma pessoa que não era do PSD. Começo a sentir que a desunião era causada por mim e só havia uma solução e saí, com muita pena”, regista, salientando que não votava contra a sua consciência porque o partido tinha determinada orientação.

Francisco Abreu Lima ainda hoje é abordado na rua por pessoas a quem ajudou. Muitos descrevem-no como “um exemplo de humanidade” por ter ajudado “tanta gente”, sem olhar a preferências clubísticas ou partidárias. Aliás, Francisco Abreu Lima faz questão de dizer que nunca foi filiado em nenhum partido, “nem antes nem depois do 25 de Abril”. 

“Desde os meus 13 anos até perto dos 60 fui filiado na causa monárquica e fui dirigente monárquico em Coimbra, durante 6 anos, porque sou monárquico”, assume.

A ideia de homenagear a fundadora de Ponte de Lima, rainha D. Teresa, partiu de Francisco Abreu Lima, sendo algum tempo depois colocada uma estátua na Avenida António Feijó.

Limiano de paixão, Francisco Abreu Lima afirma que conhece todas as romarias do Minho, menos uma: “a de S. João d’Arga”.